Tem razão, não faço ideia do que fazem meus vizinhos, o que são e como vivem, do que se alimentam, para que time torcem, que igreja ou templo frequentam. O certo é que muito mal nos cumprimentamos, muitas vezes até fingimos que não nos vemos para exatamente não nos cumprimentar: exageros!
– me empresta uma xícara de açúcar? – Isso vale para quem vive em comunidades, porque ali somos irmanados na dor, na pobreza, na falta de privacidade que se confunde muito com a falta de propriedade, afinal, ninguém é dono de nada, nem das próprias vidas, infelizmente.
A vida em condomínio é diferente, as pessoas se sabem entre os seus, mas estão todos resguardados pela manutenção de um status, de uma cor, e principalmente a sensação de estar protegido de outros grupos. Ainda assim, não são todos iguais, sabemos bem.
Até que um dia o silêncio se rompe, e como diz o dito popular: Gambá cheira gambá, muito mais do que o me diga com quem andas que te direi quem és, reafirmo que primeiro vale mais: gambá cheira gambá.
Algumas pessoas entendem esse dito popular de maneira distinta, atribuem que a metáfora trataria do cheiro do animal, assim sendo o bonito animalzinho de cheiro forte, teria esse cheiro, e não outro. Então cada um tem um cheiro característico, impassível de mudança. Bobagem. O dinheiro tem cheiros interessantíssimos, e o poder outros tantos ainda. Cheiros que vão e vem… Como visitas.
O marsupial conhecido por todos por seu cheiro não tem sempre o odor insuportável, dizem. Ele usa seu cheiro para afastar predadores, fingindo-se de morto e exalando fétido odor. Então, não seria possível que a metáfora fizesse sentido assim, que fosse tomado pelo fedor como característica não de defesa, mas determinante e permanente. O que o dito popular quer mesmo dizer, e diz, é que os iguais se reconhecem sem precisar de palavras, se aproximam, se atraem e se suportam porque se sabem iguais.
É aí que entra o escritor francês Saint Exupéry: É preciso dizer que você se tornará responsável por aquilo que cativa, e convenhamos e venhamos: nada melhor para cativar uma amizade que conhecimento, e reconhecimento dos lícitos e ilícitos, morando perto, perto como o alcance de duas ou três quadras ainda melhor, porque sabe-se(excluindo-se a cegueira da paixão ou idiotice) de movimentações, festinhas, comemorações e o principal do que condiz ou não com o padrão social.
Não sendo um imbecil, tampouco querendo passar-se por um, torna-se facilmente perceptível que as movimentações de um pretenso amigo são incompatíveis com o salário, com as festas, com os frequentadores de sua casa. Assim, o odor do gambá não precisaria sequer recender para que o animalzinho seja identificado.
E o Chile? É nosso vizinho desconhecido, não tão vizinho quanto a Venezuela ou Cuba (tsic).
Bem, aqui também vale o dito. Gambá cheira gambá.
Todos os afoitos pelo crescimento neoliberal, apoiadores que são das flexibilizações trabalhistas, previdenciárias, tributárias sabem bem o que está acontecendo.
O próprio uso do termo flexibilização parece algo bem melhor do que extermínio. Lá atrás, é preciso que volte duas casas (58,66) e confira, neste mesmo texto eu falei sobre como o poder e dinheiro mudam os cheiros. Aliás, os ricos e poderosos não fedem, eles têm mal cheiro, mesmo quando o odor putrefato tomou todo o ar em volta. E agora que o defunto neoliberal está sendo exposto, Guedes e toda a escola de Chicago, se omitem da responsabilidade fedorenta, porque aplicam aqui o que deu errado lá, e que faz vitimas diárias sem sistema de saúde, sem previdência, sem empregos estáveis, sem passado, sem presente e com o futuro nas ruas… Para o bem e para o mal, é claro que o Chile, tampouco a Argentina, não é a Venezuela, contra essa última pesam ventos petrolíferos, que por aqui no Brasil – país que tem flertado com o fascismo e seguido à cartilha do mesmo Guedes antes do Chile, oportunamente chama de ditadura comunista.
Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.
Comentários