Vinde a mim os que têm fome e sede de justiça

Cuidado com o que pedes, eu diria. Um texto curto, para leitores apressados por novas informações, para momentos que exigem urgência de atos. Um tuíte que dê conta de carregar nossa insatisfação com os acontecimentos e ser um ato de organização de gritos represados. Atentem-se para como funciona o twitter: pessoas com nomes e imagens fictícios ou não, se expressam livremente sob a regulação de 280 caracteres.

E parece que os pequenos textos, assim como as manchetes das matérias funcionam muito bem. Tenho dificuldades em exercer meu poder de síntese, aliás, penso que meus textos são muito repetitivos, e chatos, e monótonos. Uma amiga costumava dizer que eu só conhecia a vírgula, nunca o ponto final. Preciso de textos maiores. Minhas pedrinhas preciosas.

Insisto em esperança, e agora de novo acredito que ela poderá vencer o medo. É como se pudéssemos enfim acreditar diante das últimas revelações da política do nosso país que a justiça enfim assumirá sua responsabilidade, e a igualdade essa palavra tão maculada será enfim colocada na vitrine.

A quem a gente quer enganar? Uma classe social sempre conheceu as mazelas da justiça, seus diferentes olhares e várias ponderações de acordo com a classe social, a boca quase miúda as pessoas, as mais simples e populares, sabem bem que justiça é para poucos e que se mostra racista e machista, mas, sobretudo, elitista.

Muitos casos ocupam os noticiários dando conta de crimes cometidos por pessoas bem-nascidas, e sobre com as penas podem ser abrandadas, postergadas, não cumpridas nesses casos, em contraponto os mesmos crimes cometidos por pessoas negras de origem popular parecem piores do que os mesmos crimes das pessoas brancas.

Acostumamo-nos com a coisa das provas plantadas, das trocas de tiros, dos justiçamentos, desde que sejam aplicados a pretos e pobres.  Então não era de se espantar que a justiça agisse produzindo provas contra o presidente Lula, e o pior uma vez que não conseguirão produzir provas, e eu já espero as notas da reforma do Triplex, aquelas que são de uma empresa de Curitiba e que nunca foram feitas, aparecendo nas conversas.

Prenderam Lula, e por quê?  Não é uma resposta simples de tal sorte que tenho pistas. Não certezas e tampouco convicções. Lula tornou-se um símbolo, muito pior do que o socialismo ou o comunismo. A ascensão de Lula é dar voz e vez para um filho de pobres, nordestinos, encardidos e negros, analfabetos, ou mal letrados e periféricos, eu disse pobre?  Daqueles que conhecem a fome.

Uma pessoa capaz de destruir a barreira invisível sob nossas cabeças, e sendo assim dizer para seus iguais: esse texto pode ser destruído, organizem-se, lutem, acreditem. É uma mensagem muito forte. Iludi-se quem pensa que apenas a direita sente desconforto com essa representação.  Lembro-me quando a escolha do nome de Haddad para substituir o de Lula – uma vez que como hoje já se sabe a operação deflagrada com esta finalidade o proibirá de disputar e vencer as eleições.  

A escolha que seria normal, um proforma, passou a ter um viés estranho, começou-se a campanha trazendo as qualidades do candidato que sendo bem nascido, estudado, intelectual, pertencente aos redutos acadêmicos, além de paulistano seria não só um substituto, mas um candidato até melhor do que Lula. E diante disso, numa pegadinha a direita jogou a isca e fisgou. Não servia ser o poste de Lula. Muitos veem nisso que digo exagero da minha parte.  E talvez tenha mesmo exagero, como sempre são exagerados e dramáticos, mimizentos os pobres.

Sequer sei se as definições dessa linha da campanha foram dadas por ele, geralmente os candidatos majoritários não coordenam essas áreas. E, é certo que Haddad fora escolhido por  Lula, não para ser ele, mas para ser candidato a presidente. A denúncia aqui é da apropriação que pessoas de esquerda fizeram do Lattes, uma corrida quase que desesperada para ter um candidato enfim “limpinho e cheiroso”.

Enquanto eu, que tenho tantas fomes, me apegava a definição de Carolina de Jesus sobre as virtudes de um político que seria colocar a fome no centro da discussão política, sendo necessário para tal te-la conhecido de perto, tendo passado por ela e sendo fruto de todas as misérias humanas, um discurso e uma prática que só tem quem já passou fome.

Vejam, Carolina de Jesus sabia bem do que falava, um exemplo é que ao tomar posse Lula falou sobre garantir comida aos que tinham fome, garantir três refeições. Muitos torceram seus narizinhos,  para muitos isso era muito pouco, mas a verdade é que desses muitos, poucos já sentiram fome.

Então, sei que não posso/devo esperar muita gente amanhã nas marchas, por que muitas delas ainda não podem entender o amanhã sem luta, porque é preciso garantir o hoje, tenho que saber, entender e lutar por pessoas que estão diante da situação concreta em que não ir trabalhar pode significar a perda de seus empregos e a falta de alimento na mesa dos seus filhos.   Os que têm medo não do futuro mais do presente, e da urgência tem meu mais profundo respeito.

O texto de hoje é sobre o amanhã. De novo convido, sempre insistindo em meus tempos e crenças, em minhas mediocridades e poucas compreensões, mas antes tomo emprestado as palavras de Nacide Hanin ( que é muito mais convite do que meu texto afinal e talvez até coubesse nos 280 caracteres do twitter):

“Não estamos com medo, porque sabemos que para ver o alvorecer é preciso passar pela noite escura”

E é disso que se trata afinal: não querer que as pessoas vivam sem o mínimo, sem liberdade, sem acreditar que pode ser diferente, que todas as pessoas tenham segurança de que não passarão fome, não querer que as pessoas se sujeitem ao pior sob o risco de não se ter o que comer amanhã.
Que os desempregados, os estudantes, as juventudes, os professores, as mulheres, as negras e os negros, os pobres, marchem! Sabendo que muitos que não estarão ali não estão porque não sabem o que lhes reservam as elites: banqueiros, ricos empresários, e outros privilegiados. Não sabem, e sem saber, e sem confiar na certeza do novo alvorecer continuarão suas marchas como bois para o matadouro.

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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