Este é um livro da década de 1950, escrito pelo prêmio Nobel de Literatura, o escritor guatemalteco Miguel Ángel Astúrias. Faz parte do ciclo da literatura fantástica sul-americana que chegou até nós nos anos 1970.
Neste livro, a história acontece numa plantação de bananeiras em algum país da América Central: não há indicações do país, pois até mesmo viagens à capital, esta aparece nominada apenas como “capital”.
O romance se inicia com as derrubadas das florestas no lado do Oceano Pacífico, em clima húmido, carregado de mosquitos e doenças. Os pioneiros transformaram estas terras em terras cultiváveis. Os trilhos foram avançando à medida que a terra ia sendo “dominada”. Seguiu-se o plantio das bananeiras. E obviamente uma grande companhia era dona de tudo: das terras, dos bananais e das vidas de seus trabalhadores. Chamavam-na de Tropicaltaneira, mas seu registro jurídico era Tropical Bananeira S. A., com seus acionistas distantes, “a gente de lá” em Chicago, anônima e invisível para os trabalhadores explorados.
No mundo irrigado pelas chuvas torrenciais, pelos mosquitos, pelas doenças dos primeiros tempos vão sobrevivendo alguns dos trabalhadores, outros retornam a suas origens doentes, carcomidos, terminados. Mas há os que sobrevivem. Adelaido Lucero acompanhará toda a saga deste enredo. Trabalhador devastador da floresta, participa do plantio do bananal e nele se torna capataz, recebendo nas terras da Tropicaltaneira outros trabalhadores vindos dos vales do Atlântico em busca de trabalho, dinheiro e sorte.
No mesmo ambiente vivem os estrangeiros, mas compartilham com os trabalhadores apenas as agruras do sol e do calor. De resto, são vidas distintas e não interpenetráveis:
“Peões, capatazes, agregados, administradores, até aos administradores pode-se dizer que chegava a organização humana, a partir daí começava com outros homens a maquinaria cega, implacável que convertia tudo em cifras nos livros, inalterável, precisa, cronométrica.” (p.18)
Noutra passagem, mais explícita se faz a diferença:
“As casas de vocês têm quatro metros de largura, as casas deles quatrocentos metros só de jardim. Nas de vocês tudo falta, nas deles sobra tudo. As mulheres de vocês andam vestidas com roupas de dentro ordinárias, as deles com roupas de seda tão finas como asas de borboleta. Não somente vocês, mas os bichos da seda também trabalham para eles. S.O.S. dez couraçados, seis destroyers, nove torpedeiros a todo vapor para desfazer esse mau pensamento de que não somente vocês mas os bichos da seda também trabalham para eles.” (p.40-41)
No enredo, as vidas das personagens se entrecruzam e todas elas mantêm uma relação com a exploração da multinacional norte-americana. De um lado, os trabalhadores e de outro lado os administradores, representantes da “gente de lá” que efetivamente comanda.
O primeiro administrador que se dá conta de que os “ventos podem mudar”, John Pyle, volta à matriz e entrega seu relatório: para ele a companhia deveria deixar de ser a dona dos bananais, porque as leis trabalhistas estavam assegurando alguns direitos. Seria mais lucrativo comprar diretamente as bananas de agricultores independentes. Seu relatório não foi levado em conta. Antes de retornar, John Pyle perdeu a mulher, que estava por somente em férias, mas que acabou se apaixonando por uma personagem típica do “realismo mágico”: um vendedor de tudo o que a costureira precisa, que aparecia sempre com sua gargalhada. Assustava e fazia rir e nada vendia. Chamado de Cosí, numa de suas aparições na casa de Lucero se encontra com Leland, a mulher de Pyle. Conversam em inglês… e acabam ficando juntos, como se fossem agricultores independentes plantando seu próprio bananal.
Quando os preços oferecidos pela companhia se tornaram aviltantes, e as recusas constantes sem que os critérios ficassem muito claros, houve revolta abafada pela polícia. Muitos dos pequenos produtores foram presos. Será Cosí, agora com o nome assumido de Lester Mead, que os tira da cadeia e com eles forma sociedade. Compram um caminhão e começam a vender a banana para consumidores locais. Fustigados pela companhia que passou a distribuir bananas gratuitamente na capital, vão perdendo seu negócio. Então Lester importa máquinas com que fazer “farinha de banana” salvando assim os camponeses dos jogos de preços e recusas de compras com que a companhia os explorava.
Lester Mead viaja para Nova York acompanhado de Leland. Hospeda-se num casarão e vai a encontro com seus advogados. Alega que a casa é de amigos que estão viajando. Em carta noite, todos os amigos se reúnem para uma festa e então Leland fica sabendo que Lester na verdade é um dos grandes acionistas da companhia, e que estava por lá para trazer um relatório a um grupo de acionistas que não concordavam com a política que vinha implementando o Papa Verde, o diretor presidente da Tropicaltaneira.
Do relatório do agora Lester Stone, duas passagens muito significativas:
‘Os que afirmam que a riqueza é produzida por empresas mercantis nas quais não cabe o mais pequeno sonho, a menor fantasia ou fábula, ignora a existência de explorações que são como grandes sonhos, e esta é uma delas, Anderson sonhou com estas plantações de banana e os donos agora pensam sonhar quando leem as cifras fabulosas dos lucros…” (p. 99)
“Por alguns punhados de dinheiro, pelo domínio destas plantações, pelas riquezas que embora fragmentadas em dividendos anuais são milhões e milhões de dólares, perdemos o mundo, não a dominação do mundo, essa nós temos, mas a posse do mundo que é uma coisa diferente, agora somos donos de todas essas terras, dessas tentações verdes, somos senhores mas não devemos esquecer que o tempo do demônio é limitado e chegara a hora de Deus, a hora do homem…” (p. 102)
E é com esta hora do homem que o enredo chega ao fim: o xamã Rito Sou Perraj entra no Campo Santo repetindo Sugusán, sugusán, sugusán até receber um sinal: desenterra o corpo de Hermenegildo Puac, decepa-lhe a cabeça e sai até o mar. Invoca seus deuses e um furacão se forma destruindo tudo, matando peões e administradores, não poupando sequer Lester e Leland… Tudo é destruído!
Acalmado o furacão – o vento forte – tratava-se de verificar o que sobrou de homens, terras e plantas para um recomeço do tempo, do tempo do homem.
Voltar à literatura do realismo mágico nestes anos de fins da segunda década do Séc. XXI talvez seja invocar forças semi-adormecidas e necessárias para enfrentar o mundo neoliberal de hoje, quando a exploração já não é mais somente do trabalho, mas de toda a vida – inclusive espiritual – de todos em benefício de alguns poucos. Talvez o Vento Forte se vêm formando nos movimentos sociais que percorrem o mundo, pois não há satisfeitos nele, só há uns poucos olhos perdidos nas cifras de suas rendas virtuais que financiam a guerra e a morte. E são olhos vidrados de fantasmas que esqueceram que um dia foram homens.
Referência: Miguel Ángel Astúrias. Vento Forte. Tradução de Antonieta Dias de Moraes. São Paulo : Editora Brasiliense, 1971.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Adorei. Quero ler o livro. Obrigada por nos apresentar.