Muitas análises têm somado os percentuais de brancos/nulos, os das abstenções e aqueles para Haddad para dizer que Bolsonaro não foi eleito pela maioria da população brasileira. A análise é equivocada. Considere-se que uma baixa percentagem de votos nulos tenha sido por erros do eleitor – considerando a forma de votação, este percentual é mínimo mesmo; considere-se que os votos brancos são daqueles que não queriam nenhum dos candidatos, e, portanto, não podem ser contados como votos de “oposição” a Bolsonaro; considere-se que entre as abstenções, um bom percentual se deve a pessoas em trânsito, pessoas hospitalizadas e pessoas encarceradas – a população carcerária do Brasil é uma das maiores do mundo, o que não impede do “nosso garoto” achar que se pode prender mais uns 100 mil brasileiros, porque sendo garoto, não sabe lá muito o que diz – sobrará de fato um percentual bem menor de abstenções propositais.
E estas abstenções propositais não podem ser consideradas de lado algum. Trata-se de cidadãos que delegaram o poder de decisão aos demais. Assim, Bolsonaro foi eleito sim pela maioria da população brasileira. Se ele representa um pensamento de que não gostamos, é preciso reconhecer – não adianta tapar o sol com a peneira – que a maioria dos cidadãos brasileiros se filia a este modo de ver a vida, de compreender as relações humanas e de interpretar o mundo. Esta a realidade a ser encarada.
Mas uma coisa foi a campanha em que um membro da ‘anturragem’ próxima ao presidente eleito lançava um balão de ensaio, e logo vinha o candidato a desmentir. Agora, terminadas as eleições, a manutenção desta técnica traz prejuízos incalculáveis para o capital político amealhado pelo antes candidato. Um membro de sua equipe, membros do clã, quando falam agora, falam de outro lugar, do lugar em que pesa a responsabilidade de governo de uma nação.
O presidente está eleito. Diz que não há problema algum em reconhecer que certas propostas devem ser repensadas e voltar atrás no que se pretendia. Disse isso em relação ao Ministério de Meio Ambiente, que quis anexar ao Ministério do Agronegócio (antigamente da Agricultura), mas teve que voltar atrás em função das reações da comunidade internacional. Este vai e volta descapitaliza o ainda nem empossado!
Na política externa, é uma calamidade. Pretendendo torná-la mimética à política de Trump, introduz uma novidade na área. Na história de nossa política externa, os interesses nacionais sempre contaram: nos começos dos anos 1960 defendia a diplomacia brasileira a livre autodeterminação dos povos; depois do golpe de 1964, o nacionalismo impediu uma política externa de submissão ao parceiro do Norte; a partir da nova república, nos governos neoliberais de FHC, costurou-se um alinhamento que foi rompido pela política multilateral dos governos petistas; com o golpe de 2016, José Serra subordinou o país ao parceiro americano; e agora temos uma novidade: já não se trata de alinhamento político, mas de política mimética, cópia do que faz Trump. Foi isso que levou à declaração de que o Brasil transferiria sua embaixada para Jerusalém… e a comunidade islâmica do Oriente Médio começou a responder ameaçando boicote a produtos brasileiros. Neste terreno, não adianta vir o presidente eleito, numa “live” a seus seguidores, dizer que não é para dar importância à reação do Egito… Será que ele pensa que poderá, mudado seu lugar de enunciação, ir lançando a torto e a direito balões de ensaio, num vai que depois não vai, no diz hoje e desmente amanhã.
Nesta ordem em que acontece a transição, nesta política de “vai e não vai, diz aqui e desmente acolá”, até mesmo um futuro ministro dos mais garantidos, dos mais certos, dos primeiros a serem indicados, junto com o todo poderoso Ministro da Economia, o futuro Ministro da Defesa, Gen. da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira, também dançou! E por acaso ficamos sabendo que o presidente eleito o quer mais próximo de si, no Palácio do Planalto, casualmente no mesmo dia em que ele visitou o Comandante das Forças Armadas e o Comandante da Marinha! Seria mais um “vai que não foi”? E se achou uma queda para o alto para um general?
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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