Depois dos inúmeros exemplos que nos vem dando o Ministério Público Federal; depois da briguinha interna de poder em que a Polícia e os Procuradores se envolveram, cada um querendo o direito de fechar acordos de delação premiada – obviamente os procuradores, sendo arcanjos próximos aos deuses juízes, se julga no direito exclusivo de para fazer isso, desde que haja convicção; depois da vergonha da recusa de delação de implicado em crimes, de todos os políticos, o mais vendido e mais corruptor Eduardo Cunha; depois de desavergonhadamente um procurador vir a público para dizer que não foi aceita a complementação de delação de executivos da Andrade Gutierrez porque não havia nada contra Lula a ser declarado; depois de inocentados os irmãos Batista de todos os seus crimes; depois que delatores se tornaram heróis, depois disto tudo, vivemos numa sociedade de delatores.
O princípio da delação premiada introduzido no nosso Direito, tonou-se torto. Acrescente-se a isso uma falha na legislação, que não define o tempo de prisões preventivas, e temos instalado o Regime Inquisitorial.
Mas tantos exemplos levaram a delações fake a circularem pela internet. Não se trata mais de peças evidentemente falsas porque o próprio estilo desvela o ódio que as produzem, como os inúmeros achincalhes a que foram submetidos os políticos do PT, mormente Dilma e Lula. Estas acusações falsas podem irritar alguns: a mim causavam riso, porque me mostravam a sanha sanguinária de uma classe média e de uma elite que se pensa “beautiful peaple”, mas que não consegue esconder o que realmente são.
De repente, no entanto, com ares de verdadeiro, aparece uma foto do diretor do Fantástico fazendo suposta denúncia, mas na verdade construindo uma peça publicitária do prefeito candidato Doria. As inúmeras vezes que seu nome é citado, acusando ao mesmo tempo a existência de um acordo da família Marinho com Lula, significam uma propagando subliminar necessária para fazer com que o político que não ultrapassa os limites da cidade de São Paulo se torne efetivamente um candidato viável.
Evidentemente falsa, a peça foi construída com a intenção explícita de “delatar” um acordo que seria criminoso, pois faz referência a rios de dinheiro que a família Marinho iria ganhar num suposto novo governo de Lula. Embora evidente a falsidade, até um pretenso presidente da república, o usurpador Michel Temer, compartilhou a peça publicitária de seu pupilo!
Acontece que também verdades são postadas. Mas como crer nelas? Com as inúmeras falsidades, mesmo denúncias graves como o tal telefonema gravado entre uma funcionária e o filho do governador em exercício do Amazonas, caem na vala comum das falsidades… E obviamente, como o Ministério Público Federal está muito ocupado investigando denúncias anônimas contra professores e diretores de escola porque se atrevem a contar a história de modo diferente daquele que a convicção firmou entre procuradores, certamente não haverá qualquer busca de verdade sobre o tal telefonema! Pobre moça, pobre funcionária que pensou estar a salvo da sanha gravando uma conversa e publicando-a! Se até mesmo conversas gravadas sob orientação do MPF e da PF não têm qualquer valor jurídico contra Temer e contra Aécio, que valor terá uma gravação feita por uma amadora?
O mais significativo destas denúncias, falsas ou verdadeiras, que circulam pelas redes sociais, o mais triste disto tudo, é o que desvelam: não há confiança nas instituições para as quais as denúncias deveriam ser encaminhadas! Até porque, mesmo sendo verdadeiras, e o denunciante não tiver qualquer padrinho que o sustente, acabará ele mesmo sendo envolvido como “criminoso”! Principalmente se fizer denúncias contra aqueles por princípio inocentes, como é o caso de Aécio Neves e toda a cambada do PSDB que até hoje não respondeu coisa alguma contra as acusações de privataria.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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