Um voluntário da pátria, de Zuenir Ventura

Depois de quarenta anos do fim da ditadura militar, a Cia. das Letras iniciou uma coleção de pequenos relatos sobre os acontecimentos do golpe: foi em busca das ‘vozes do golpe’, nas memórias dos que o viveram.

Zuenir Ventura escreveu este pequeno volume – é uma coleção de pequenos volumes – numa narrativa que se iniciaria em 31 de março de 1964 e terminaria dia 1 de abril, quando tomou um avião saindo de Brasília, acompanhado da esposa grávida, retornando ao Rio de Janeiro.

Em verdade, a narrativa de um dia somente tem sentido quando ancorada em fatos anteriores e posteriores a este dia. Assim, impossível que o jornalista que viaja de fusca com mulher e mais outro casal, para assumir um cargo de professor na escola de Comunicações da UnB, precisamente no dia 31 de março e que chega à capital quando ferviam os boatos e fatos do golpe.

O título “um voluntário da pátria” remete ao alistamento voluntário de pessoas que defenderiam a democracia e o governo, a quem seriam dadas armas – aquelas que a direita brasileira dizia que o governo de Jango dispunha, mas que de fato inexistiam. Na fila do alistamento, pergunta o alistador a Zuenir: que arma sabe manejar? Depois de minutos de branco, lembrou sua vida de recruta e disse que manejava um fuzil Mauser 1908! Ninguém sabia o que era… mas assim mesmo foi alistado, ficou no Teatro Nacional, como muitos outros candangos, aguardando as armas que não vieram: o que veio foram sanduíches trazidos pelos estudantes da UNB para aqueles que seriam os combatentes.

Também o que outros disseram em suas memórias aparece aqui, principalmente Darcy Ribeiro (Confissões), então chefe do Gabinete Civil de Jango, que não conseguiu que o presidente reagisse provocando uma guerra civil. Jango, como se sabe, preferiu o exílio a deflagrar uma guerra.

Impressionante, também, é ler a jactância do General Olímpio Mourão Filho, que de Juiz de Fora sai para tomar o Rio de Janeiro com sua tropa de recrutas… “Segundo dona Maria [esposa do general], o comício do Automóvel Clube era o estímulo de que o marido precisava para desencadear o levante. Às cinco horas, ainda de pijama e roupão de seda vermelho, ele começou a agir. Isso permitiu-lhe escrever mais tarde, “com orgulho e originalidade”, que fora o único homem no mundo que “desencadeou uma revolução de pijama”.

Também registra a reunião havida entre Jango, o então senador Juscelino Kubitschek e o general Bevilacqua. Nas memórias deste:

Bastava que nesse momento, ouvindo a mim, que era amigo do Mourão, e também o Juscelino, que era amigo de infância do Mourão, ele tivesse me dito: ‘General, eu lhe peço que viaje imediatamente para Minas Gerais, vá se entender com seu amigo Mourão e convide para ir em sua companhia o senador Juscelino Kubitschek’. Estou certo de que teria sido obtida imediatamente uma solução política para aquela gravíssima crise em que estava submersa a República.

Mesmo nas memórias, ainda a incompreensão do golpe militar. Mourão Filho, de fato, foi uma espécie de fanfarrão de direita – como aqueles que estamos acostumados a ver no exercício do poder atualmente. Mas o golpe tinha outras raízes, e assim nenhum personalismo e amizade entre personagens estancaria o que era um projeto de submeter a América Latina ao capitalismo, cuja matriz eram os EEUU, em plena guerra fria. Se na América Latina continuassem a aparecer outras tantas revoluções “cubanas”, a história a ser vivida e a história a ser contada seria outra…

Creio que esta coleção das “vozes do golpe” seja extremamente útil para o momento atual, para que jovens estudantes secundaristas compreendam como se deu o passado, para trazer de lá elementos com que compreender o que está se dando no presente.

Referência. Zuenir Ventura. Um voluntário da pátria. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.