Um juiz que afirma o que está em investigação, é juiz?

Por oportuno, e a pedido do autor, republicamos a crítica ao que agora é mais óbvio do que já era então. Moro e Cia. não julgavam nada. Faziam política da pior espécie perseguindo seus inimigos. Seu INIMIGO.

João Wanderley Geraldi, em de 5 de março de 2016, neste Blog

Ninguém está acima de investigações, nem ex-presidentes da República, uma vez tenha havido qualquer denúncia. Portanto, afirmo desde já que Lula deve ser investigado, como diversas vezes já afirmei aqui. Também reafirmo que o compromisso com a ética era fundamental quando se fundou o PT, fundação de que participei desde os princípios. Infelizmente o poder corrompe. Da picada da mosca azul ninguém está livre, mas a resistência a ela deveria fundar as ações do governo petista.

Mas daí não vai que seja favorável à espetacularização da justiça. Nem a vazamentos prévios, que levam o Jornal Nacional, infelizmente ainda assistido por grande parte da população, a dedicar quase integralmente seu tempo a uma reportagem sobre investigações a propósito de Lula, para na manhã seguinte a PF levá-lo sob vara para depor. Muitos juristas já se manifestaram sobre o assunto, incluindo o ministro Marco Aurélio Mello, STF. Até o Gilmar Mentes desconversou e não apoiou correndo a determinação do juiz Sérgio Moro. Claro, Eliane Castanhede, que é “notável jurista” enquanto jornalista da “massa perfumada”, já se manifestou e foi diversas vezes ao ar na BandNews dizendo que a condução sob vara era legal, legítima. Entre esta notável ‘jurista’ e Marco Aurélio Mello, fico com este último. 

Mas hoje leio no Estadão (um jornal que a direita não pode condenar) uma passagem que a imprensa, os jornalistas de plantão no aeroporto de Congonhas, o JN, e nem mesmo o Estadão que deve ter deixado passar um parágrafo perigoso para si chamou atenção. Deve ter sido um engano a publicação.

Todos sabemos que há duas questões em investigação sobre Lula: a propriedade do sítio de Atibaia (que parece pertencer ao filho do Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas e amigo de Lula desde os anos  1970 na luta sindical) e do triplex em Guarujá, aliás desocupado até agora. A segunda questão da mesma investigação tem a ver com as benfeitorias e reformas feitas nestes imóveis, por empresas que estão sob investigação da Lava Jato. Trata-se, portanto, de investigação. E foi para prestar esclarecimentos que Lula foi levado sob vara à PF que se deslocou para o aeroporto de Congonhas. Se chamado a depor em espetáculo mediático, é porque a PF (e o juiz Sérgio Moro) queriam informações sobre as questões em investigação.

Pois hoje publica o Estadão parte do despacho do juiz Sérgio Moro. E pasmem: ele afirma que os imóveis cuja propriedade estão em investigação, tem proprietário já definido. E isto num despacho do juiz que julgará o caso quando do término da investigação. Diz Sérgio Moro que Lula “teria recebido benefícios materiai, de forma sub-reptícia, de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, especificamente em reformas e benfeitorias de imóveis de sua propriedade“. Sem qualquer ambiguidade, o “sua” se refere a Lula. Logo, resta a pergunta: por que investigar a propriedade se antes de seu término já está decidido pelo juiz quem é o proprietário. Um tal juiz ainda é juiz? Ou é um político? Com uma afirmação deste teor, o juiz Sérgio Moro se desqualifica explicitamente. Com Bresser Pereira, um dos fundadores do PSDB e ex-ministro de FHC, concordo que o STF vai ter que colocar as coisas nos trilhos jurídicos nesta operação, que fere o direito em comezinhas ‘mínimas’, como o sigilo dos depoimentos para os advogados dos delatores… Categoricamente, Sérgio Moro não é mais juiz, é ator de uma comédia jurídica. 

Uma vez li um livro sobre comunicação social(não lembro título e autor) que mostrava como jornalistas conseguem fazer passar informações mesmo quando estas informações não deveriam ser ‘publicadas” segundo os donos dos meios de comunicação. Acho que aqui houve o caso! Algum redator fez a citação, o editor de política não percebeu ou não leu! Correm o risco de demissão, que não será política, será ‘técnica’. 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.