Um apólogo de Boccage

O leão e o porco

O rei dos animais, o rugidor leão

Com o porco engraçou, não sei por que razão.

Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna;

(A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna).

Deu-he alta dignidade, e rendas competentes,

Poder de despachar os brutos pretendentes,

De reprimir os maus, fazer aos bons justiça,

E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça;

Mas em vão, porque o porco é bom só para assar,

E a sua ocupação dormir, comer, foçar.

Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria,

Soiltavam contra ele injúria sobre injúria

Os outros animais, dizendo-lhe com ira:

“Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!”

E ele, apenas grunhindo a vilipêndios tais,

Ficava muito enxuto. Atenção nisto, oh pais!

Dos filhos para o gênio olhai com madureza;

Não há poder algum, que mude a natureza:

Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos

O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.