Um afastamento nada discreto

Não adianta nota do Ministério dizer que o afastamento de Moro na próxima semana, em licença não remunerada, estava previsto desde que tomou posse! O simples fato de virem a público para explicar isso revela a necessidade de uma explicação para este afastamento nada discreto.

Como há rumores de que um áudio aparecerá com ele chamando o seu chefe Bolsonaro de “medíocre” – no que pela primeira vez concordamos – esta saída discreta poderia ser para evitar o constrangimento de estar no ministério, ao lado do medíocre e ter que ouvir com ele a adjetivação empregada pelo seu empregado.

Há, no entanto, outra hipótese: a perseguição ao The Intercept Brasil tomará corpo na próxima semana, e estando o ministro em licença poderá dizer que não participou de nada. Somente seus fãs acreditariam, e para os fãs ele nem precisaria desta licença! Afinal, neste país, a maioria acha que Moro agiu inadequadamente, fora da lei, mas as condenações foram corretas e para esta mesma maioria, Lula deve continuar preso mesmo não havendo qualquer prova de seu enriquecimento ilícito. Então esta hipótese de “jogo de cena” seria desnecessária. Há que buscar outras hipóteses.

Seu chefe havia declarado que o povo julgaria e, acompanhado daquele que lhe costurou ilegalmente a vitória, foi ao campo ver o Brasil ganhar do Peru. E levaram vaia… E Bolsonaro voltou a levar grande vaia quando entrou para o campo. Paulo Guedes saiu pelos “esconderijos” enraivecido, segundo alguns jornalistas! Sobrou Moro lá no alto do camarote vip, e ele está se tornando cada vez menos vip por aqui…

Então é possível que na semana de folga Moro vá negociar com seus verdadeiros patrões, aqueles que encontraram um juiz do interior, caipira, que domina mal o direito e a língua, para alçar à posição de mito. Convidaram para conferências nas universidades, incensaram e lhe deram uma grande tarefa: destruir a economia de um país emergente que se atreveu a costurar os BRICS como uma força política internacional e que dispõe de riquezas naturais que salivam a ganância das petrolíferas. Para esta parte, teve no Senado todo o apoio do enriquecido Senador da Chevron, José Serra. Moro cumpriu sua parte, e agora, caindo em desprestígio, precisa saber se seu lugar continua garantido entre os patrões, mesmo já não mais pertencendo ao Judiciário e a um passo de deixar de ser ministro.

Minha hipótese é que Moro aproveitará a semana para costurar seu novo emprego: alguma universidade norte-americana o convidará para ser professor, oportunidade que não pode declinar, e que o fará a pedir demissão do cargo.

Afinal, os dois sonhos que acalentavam se foram pelos ares: não será mais o sucessor de Bolsonaro, como imaginava e nem será ministro do STF, que afinal os senadores – menos José Serra – têm alguma vergonha na cara.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.