A coletiva de imprensa, com a exposição das grandes autoridades brasileiras na área de segurança, que garantem a lisura das eleições, todos sob o comando da Ministra Rosa Weber, veio defender a segurança das urnas eletrônicas, a segurança do nosso sistema de coleta e apuração de votos, que somente uma candidatura pôs em dúvida.
Como os discursos proferidos respondem a outros discursos, será preciso recuperar que discurso foi proferido que mereceu tamanho aparato de resposta! Parece, porque hoje nada pode ser declarado, sob as penas das leis, e então devemos ficar no que parece ser, que alguma candidatura à presidência teria feito críticas ao sistema eletrônico de votação. E deve ter sido uma candidatura com muita força para mobilizar tantas autoridades para oferecerem a resposta.
Também ficamos sabendo, ouvindo os pronunciamentos, que somente existiu um tipo relevante de boato neste processo eleitoral: aquele que falou mal do sistema eletrônico. Neste caso, como se trata de liberdade de expressão, também não é necessário pensar em punição. Apenas as autoridades vieram a público para tranquilizar os cidadãos: não há desvios no sistema, o sistema é seguro.
Outras mentiras que circulam neste processo eleitoral são produtos do acirramento de ânimos, normal numa disputa, como apontou a Ministra Rosa Weber. De modo que mentiras deslavadas são nada mais nada menos do que arroubos oratórios. E quando se coloca no ar algum programa que inclui declarações gravadas de defesa da tortura por um candidato, isto é proibido. Não porque não seja verdade – no caso seria absurdo dizer que é mentira, porque a gravação está disponível. A proibição de circulação do programa é porque … por que, mesmo?
Há uma máxima conversacional elaborada pelo filósofo H. Paul Grice: a máxima da relevância. O país está atônito ante a revelação feita por um jornal que não tem qualquer simpatia pela candidatura de Haddad à presidência de que um grande esquema de financiamento foi montado para disparar, ao custo de milhões, milhões de mensagens falsas pelo WhatsApp para grupos constituídos, muitos deles sem qualquer autorização do participante: dados foram comprados para incluir as pessoas nos grupos. A população ficou estarrecida com a revelação do jornal Folha de S. Paulo.
Depois da reportagem publicada, começaram a aparecer vídeos extremamente comprometedores para uma candidatura, com o candidato presente, e com empresário defendendo o emprego do meio ilícito e outro até pedindo que colaborassem de imediato, para não gastar mais dinheiro no segundo turno… Isto aumentou o espanto do povo.
Então foi marcada esta coletiva de hoje. Segundo a máxima conversacional de Grice, todos esperariam que a coletiva tratasse da questão candente neste momento: isto é legal? Isto é condenável? Isto pode? Vai ficar por isso mesmo?
No entanto, para a coletiva parece que somente importa uma ofensa à lei: aquela que põe em dúvida o funcionamento das urnas eletrônicas. O resto é uma questão a investigar, com a rapidez própria do devido processo, ou seja, daqui a uns anos ficaremos sabendo o que aconteceu, mas que diante do “fato consumado” – um princípio jurídico introduzido em nosso direito pela República de Curitiba – resta arquivar o resultado da investigação.
Quem não fala sobre o que é relevante, e fala sobre o irrelevante para seus interlocutores no momento, está querendo dizer outra coisa, produz nos termos do filósofo Grice, uma implicatura. Qual implicatura: ela depende o raciocínio do ouvinte e jamais este poderá dizer que o locutor – no caso os locutores – disseram o que ele compreendeu.
E ficamos, assim, naquela situação, esta apontada pelo linguista Ducrot, do subentendido: “Não me pergunte minha opinião, se não eu a dou”.
E como não trataram do que deveriam tratar, os ouvintes próximos – no caso, os jornalistas – obrigaram-nos a falar sobre o relevante: o emprego de mensagens em massa disparadas pelo WhatsApp aos milhões… embora sequer o representante da Folha de S. Paulo tenha assumido o que diz a reportagem de seu jornal: que há financiamento empresarial nesta história…
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Enfim, mais forte foi o não dito. Exatamente porque não dito, apesar de esperado. É isto?