Três raciocínios bolsomínicos em 140 toques

Estamos a menos de um mês da posso do presidente Bolsonaro. O governo de transição já tem dado suficientes reviravoltas. E os ministros já confirmados somente amedrontam. Mas meu assunto não é esse. Como tudo atualmente deve caber em 140 toques de um twítter, a forma oficial de comunicação da República (além da continência para qualquer sub-sub-sub-autoridade norte-americana), precisaremos treinar para racionar em 140 toques, não mais do que isso, porque acima disso se torna incompreensível para o futuro presidente, para a corte familiar e para os seguidores. Como estou preocupado com o futuro, e com a necessária aprendizagem, treino aqui recuperando raciocínios que levaram ao voto em Bolsonaro dos bolsomínios…

Raciocínio 1: Renda e emprego

Não tenho renda suficiente porque os petistas são corruptos Bolsonaro acabará com a corrupção e minha renda e meu emprego voltarão, tá OK?

Raciocínio 2: Teremos segurança

Tem muita violência e ele liberará armas para todos nós e ficaremos seguros e a polícia pode matar sem essa de direitos de bandidos tá OK?

Raciocínio 3: Este mundo tá uma vergonha

Pecam na rua se mostrando. Isso tem que mudar, tá OK? Temos que curar essa gente aí… tá OK? Defendemos a família, tá OK?

Os bolsomínios são inconstantes. Se logo, muito logo, o que os levou a Bolsonaro não tiver resposta, poderão cair fora do barco e buscar o João Dória… Então vamos ver que respostas encontrarão no futuro próximo para garantir seu comportamento de “ovelha vai com as outras” (não vou usar a lídima expressão em português “maria-vai-com-as-outras” porque poderia estar dando a opção de gênero de muitos deles que a guardam a sete chaves no armário…):

Renda e emprego: o governo começará vendendo tudo o que pode e o que não pode. Terá uma folga financeira imediata com as vendas – como aconteceu com o governo neoliberal de FHC. Acontece que esta folga apenas cobrirá, de imediato, o déficit fiscal. O que sobrar disso, irá para os bancos, ou na forma de renda ou na forma de não emissão de novos títulos para pagar títulos vencidos, com isso reduzindo a dívida pública, mas nada sobrará para investimento (e, portanto, para a geração de emprego e renda). A imprensa vai badalar a “recuperação financeira” que para o raciocínio neoliberal significa zerar déficit, isto é, fazer empatar débito e crédito, bem ao estilo dos governos tucanos: não deixam obra alguma, mas o orçamento fica equilibrado. O resto que se dane! E danar-se-ão as expectativas de renda e emprego para os bolsonímios. Que lhes dar em troca?

Bolsomínios querem sangue, muito sangue. E a resposta virá, portanto, embebedando-os com sangue e este virá da perseguição a adversários que serão acusados de corrupção! Ou seja, combate à corrupção mas sem gerar emprego e renda. E aí os bolsonímios compreenderão que seu emprego e sua renda somente se recuperarão com programa de investimento, o que significaria outra proposta de política econômica que não a do Posto Ipiranga…  e que a corrupção que há e houve não foi a causa da degringolada geral da economia…

Segurança: Ah! Então sobrará outro sangue, limpinho: matar traficante pequeno, aqueles que fazem a entrega, porque se mexer na estrutura mesma do tráfico, aí a coisa vai para o beleléu… então será dando sangue de meninos de entrega, de gente com o dedo no gatilho na defesa dos bunkers dos morros. E o bolsonímios achará que estará em segurança, mas por via das dúvidas não sairá à noite para não ser assaltado, porque o desemprego aumentou e portanto todo mundo está tendo que se virar, de uma forma ou outra…

O que vai sobrar afinal? Claro, o combate aos “maus costumes”. E então aparecerá efetivamente a cara do deste governo: o fanatismo religioso, os comitês de moral e bons costumes que serão instalados em todas as escolas, com denúncias constantes, prisões espetaculares comandadas diretamente do gabinete de Sérgio Moro, o ministro da polícia civil, política e ideológica. Afinal, o presidente já falou: o que importa é a ideologia, não a corrupção!

Os bolsomínios embebedados com muito sangue e circo, terão pão para comer? Se sim, entrarão em estado de êxtase celestial; se não, bom, aí estarão anímicos, sem forças para irem além dos 140 toques do twítter.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.