Três poemas de Sophia Mello Breyner Andresen

É ESTA A HORA…

É esta a hora perfeita em que se cala

O confuso murmurar das gentes

E dentro de nós finalmente fala

A voz grava dos sonhos indolentes.

 

É esta a hora em que as rosas são as rosas

Que floriram nos jardins persas

Onde Saadi e Hafiz as viram e as amaram.

É esta a hora das vozes misteriosas

Que os meus desejos preferiram e chamaram.

É esta a hora das longas conversas

Das folhas com as folhas unicamente.

É esta a hora em que o tempo é abolido

E nem sequer conheço a minha face.

 

AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas

É como se prendesse entre os meus dentes

Todo o luar das noites transparentes,

Todo o fulgor das tardes luminosas,

O vento bailador das Primaveras,

A doçura amarga dos poentes,

E a exaltação de todas as esperas.

 

UM DIA

Um dia, mortos, gastos, voltaremos

A viver livres como os animais

E mesmo tão cansados floriremos

Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

 

O vento levará os mil cansaços

Dos gestos agitados, irreais,

E há-de voltar aos nossos membros lassos

A leve rapidez dos animais.

 

Só então poderemos caminhar

Através do mistério que embala

No verde dos pinhais, na voz do mar,

E em nós germinará a sua fala.

(Sophia de Mello Breyner Andressen. Dia do Mar.)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.