Treinamento pré-militar

Neste sábado, na praça em frente a meu apartamento, vejo um grupo de crianças e adolescentes vestidos totalmente de preto, com boina vermelha, portanto uma bandeira brasileira, uma bandeira preta e uma bandeira vermelha. Curioso, fui à praça. Para conversar com algum deles.

Consegui uma rápida conversa com um menino que cursa o fundamental. Disse-me que era uma escola – FOPE – cuja tradução é “força pré-militar”. O menino me disse que eles se preparam, na escola, para fazerem concurso para as escolas preparatórias de oficiais das Forças Armadas (que incluem Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia e Bombeiros).

Ganhei um folheto que me garantia um presente: “Você ganhou um dia de treinamento pré-militar”, mas o treinamento é para “rapazes e moças 8 a 17 anos”. A sede nacional da FOPE é em Campinas, na Av. Senador Saraiva, no centro da cidade. Tentei obter mais detalhes, mas o menino foi chamado para formar fila indiana, dois a dois, sob os gritos dos mais velhos, não sem palavrões (provavelmente os alunos do ensino médio).

Mas os garotos não conseguiram impor ordem “unida” aos mais novos. Então apareceu o adulto, com apito: apitou, gritou e todos foram ao chão e fizeram 10 flexões. Depois levantaram, ouviram outro grito que os xingava por não serem obedientes às ordens dos mais velhos, e gritaram em uníssono: “Sim, Senhor!”.

E então a fila andou, a galope, gritando como fazem os militares: alguém faz um solo, os outros repetem. Num canto pouco compreensível.

Restou-me tentar alguma informação na internet. Encontrei a página da FOPE (https://www.fope.com.br/). Embora não tenha encontrado data de fundação da escola preparatória, percebo que se trata de escolas vinculadas a um sistema mais amplo de preparação para a carreira militar. Na página aparecem todas as escolas militares do país; aparece também link para outra escola FOPE em Bauru.

Nunca tinha visto estas crianças e adolescentes no centro da cidade, fora dos muros de sua escola preparatória. E sua saída para a praça certamente tem um sentido: propaganda da escola. No folheto que recebi, há um formulário a ser preenchido pelo adulto responsável pelo aluno que fará o treinamento gratuito… e nele se autoriza “que as imagens captadas sejam utilizadas pela FOPE e seus parceiros”.

Menos mal: ainda não é a juventude nazi-fascista em treinamento e manifestação!!! Mas as cores do uniforme, as bandeiras, o uso das boinas: tudo está nos conformes. As sementes e a publicização dos treinamentos seguem o mesmo percurso do passado.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.