Eu deveria. Tantos temas. Veja bem.
Acontecem coisas e estamos de novo envoltos em temas políticos. Embora pensar politicamente em situações cotidianas não seja no momento atual uma medida saudável.
Adoece. Preciso tomar os remédios para febre, já vai passar logo, é apenas um resfriado próprio da mudança de tempo.
Algumas coisas são muito estranhas, de todos os lados, ou, melhor dizendo, em nossa volta. Neste Brasil quintal. Percebemos isso, fatos e acontecimentos sem nexo algum, ou mesmo fora da nossa compreensão. Então entre incompreendidas vitórias e derrotas, vamos defendendo ideias a partir de nossos pontos de vista, muitas vezes míopes, fazendo monólogos, quando seriam necessários diálogos vários.
Meu cérebro explora a minha paciência, e pergunto-me muitas vezes se o óbvio é para todos, talvez sim, talvez não. Lembro-me e esqueço-me de um pensador que acredita que a universidade deve ser reservada para alguns.
Nenhuma novidade.
Se o saber é para poucos, devemos entender que existem muitas formas desse desejo ser alcançado a principal delas é negando acesso, privatiza-se o espaço e lá só entrarão os que puderem pagar; outra é não desenvolvendo, em espaços de formação e educação, o desejo de saber e o pensamento crítico; e ainda o método ou fórmula, como queiram, igualmente eficaz é a desvalorização da cultura e da diversidade.
Imagino que a política que impingiu a universidade brasileira um maior diversidade não é combatida apenas pela questão estética ou mesmo pelo atraso em um ano ou dois na entrada na universidade dos filhos de ricos, sim porque não foi negado o acesso, e eles continuaram a entrar, no máximo tiveram que postergar um ano ou dois, coisa que se resolve com férias e viagens, depois matriculam-se em colégios, cursinhos, aulas específicas, maratonas, estimuladores, facilitadores, mastigadores de fórmulas e conteúdos, que garantem a entrada.
A questão não é essa. Não sejamos parte da mentira.
O problema é que filhos de pobres, negros, afrodescendentes, indígenas e deficientes passaram a esfregar na cara da meritocracia fajuta e burguesa a verdade, cotidianamente.
Cotistas – sem ajuda de babás, domésticas, cursinhos caros, contas pagas, melhores e caras escolas, aulas de esportes e línguas estrangeiras, curso de violão, férias, alimentação balanceada, terapias, guias espirituais e tantas outras bolsas que seus adversários – ditos de ampla concorrência, dispõem ao longo de suas vidas, ao entrar na universidade seus desempenhos se igualam e até superam os afortunados pelo sistema capitalista.
E o descrito acima ainda não é a pior parte.
O pior mesmo deve ser para os filhos dos ricos, criados a pão de ló ter que conviver com a classe trabalhadora, encarar que seus méritos não são assim tão seus, porque na universidade com raras exceções o senso crítico e aguçado. Então ver que aquela menina que vende sanduíche na faculdade mesmo com bolsa de permanência, não comprou um livro sequer durante todo curso porque ajuda nas contas da família, saber que aquele cara inteligente pacas, aquela jovem que escreve e fala tão bem que poderia ocupar o cargo que lhe foi prometido pelo amigo do papai, ou mesmo pela madrinha não terão a menor chance, afinal não existem cotas nas empresas privadas, no universo privado. É duro ter que assumir a verdade, mesmo que ela permaneça oculta, de que a riqueza no final é fruto de roubo, de exploração covarde de quem está abaixo de você na pirâmide social. Enfim que a manutenção do sistema desigual também é seu, e que roubo é muito diferente do assalto, e por vezes até pior.
O comunismo não destrói a cabeça de ninguém, e nem se aprende sobre comunismo nas universidades, por incrível que pareça essas instituições são bem meritocráticas, com tantas as safadezas que podem caber nessa teoria. O problema é que a prática é o critério da verdade, e essa destrói muito. Então o que fazer? Tirar dos alunos o senso crítico.
– Existem líderes e liderados! É muito esforço! Muitas noites sem dormir! Muitas aulas! Quem estiver mais bem preparado alcança as melhores colocações.
Então parabéns! Você venceu! Mas no fundo, sabe-se que não é bem assim, agora você já sabe. Então deve ser lobotomizado, incapaz de sentir a dor do outro, de chorar e sofrer com as injustiças. Parcele a ética em 24 vezes no cartão de crédito. Sem restrições no CPC ou Serasa. E você ainda vai dormir sabendo que não existe justiça alguma nisso, e é preciso garantir que as consciências estejam tranquilas, acalmar os mais exaltados. Compre um discurso para chamar de seu. Qualquer um que beneficie você individualmente, ou aos seus iguais: hierarquia e conservadorismos servem para manter o jantar servido pontualmente.
Depois faça um discurso de amor e ódio que deixe os esquizofrênicos com inveja. Se ainda assim forem insatisfatórios os mecanismos de alienação, pode-se sempre usar a força.
Mudar as leis e desfazer o mal/bem feito.
Matar e matar. Essa prova de admissão não requer provas. Nessa cotização, os negros, pobres, indígenas, e mulheres, sobretudo merecem amplo e irrestrito acesso.
A universidade não é pra qualquer um, afinal. Aqui não é nosso quintal.
Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.
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