livro Golpe 16 (São Paulo : Edições Fórum, 2016, 224p.) foi editado e publicado antes do afastamento definitivo da presidenta Dilma Rousseff. Organizado nos meses que se seguiram ao 12 de maio de 2016, quando do afastamento provisório da presidente e começo do mandato do golpista Michel Temer como interino prevendo as forças políticas que constituíram uma maioria ocasional, desde sempre, que este afastamento se tornaria definitivo independentemente de haver ou não crime de responsabilidade, este volume se tornará histórico por duas razões: primeiro porque é documento com um conjunto de trabalhos elaborados enquanto aconteciam os fatos; segundo por sua abrangência passando pelos temas fundamentais que levaram ao golpe e à imposição ao país de uma política subalterna de cunho neoliberal.
O Golpe 16 abre com um prefácio de Luiz Inácio Lula da Silva, o político mais perseguido e caça desejada pelas forças que se congregaram para o encerramento do ciclo de políticas de integração social: a elite, os partidos políticos de direita, a imprensa tradicional, as polícias militares (federal e estaduais), o ministério público e o silêncio olímpico do judiciário a propósito dos desmandos e ilegalidades tanto na condução de uma suposta guerra à corrupção (a Lava Jato) quanto nos julgamentos realizados pela Câmara e pelo Senado.
Renato Rovai, organizador do volume, editor da Revista Fórum, blogueiro habituado a escrever enquanto as coisas acontecem, demostra que um golpe não é, um golpe vai sendo… E retoma essa história a partir das eleições de 2010, eleições em que o PMDB se tornou aliado circunstancial do PT indicando Michel Temer como candidato a vice-presidente. José Serra, o oponente, sabia que não poderia discutir os projetos de país que se contrapunham naquelas eleições e “deixou de lado qualquer tipo de escrúpulos democráticos em nome de seu sonho presidencial”. E a candidatura Dilma/Temer foi engolida pela estratégia da elite: em vez de continuar a discutir os projetos, “saiu desfilando com padres e pastores retrógrados assumindo compromissos neste campo”. Em seis “capítulos” desta história recente, Rovai mostra como a direita se articulou sem deixar de apontar para descuidos políticos cometidos pelo campo progressista. Ressalto aqui um aspecto fundamental: a proposta de desenvolvimento econômico lastreada na produção e não no consumo (como fora o ciclo imediatamente anterior) levou o governo à redução dos juros que chegaram à taxa de 7,25% em 2011.
Acontece que o chamado “setor produtivo” (a FIESP em particular) já não professava mais um capitalismo de produção, mas se aliara ao financismo e se tornara rentista. Começou a grande oposição da elite ao governo Dilma que, no começo do segundo mandato, tentou recuperar-se no setor aplicando uma política de reajuste fiscal para beneficiar precisamente o rentismo. Já era tarde. O golpe já avançara muito além do que imaginava todo governo, com Michel Temer articulando abertamente contra a presidenta.
Seguem-se 22 textos, em sua maioria textos curtos, mas extremamente densos, que passam pelas principais temáticas que se encorpam necessariamente numa compreensão do golpe que se processou e se processa. Listo apenas estes temas, remetendo o leitor à apresentação mais completa disponível na revista Capoeira (http://www.capoeirahumanidadeseletras.com.br/ojs-2.4.5/index.php/capoeira/article/view/49/55 ) ou diretamente ao livro organizado por Renato Rovai. Eis os temas, na ordem em que aparecem tratados no livro e seus respetivos autores: A disputa nas redes sociais (Adriana Delorenzo), a resistência no blogostera (Altamiro Borges), a trincheira no parlamento (Bia Barbosa), o ódio como discurso político (Conceição Oliveira), o machismo (Cynara Menezes), o racismo (Dennis de Oliveira), os vazamentos (Eduardo Guimarães), a classe média e o senso comum (Fernando Brito), o conservadorismo no mundo (Gilberto Maringoni), JN, o jornal do golpe (Glauco Faria), os movimentos de ocupação (Ivana Bentes), os preconceitos – o machismo (Lola Aronovich), as manipulações da Globo (Luiz Carlos Azenha), a criminalização dos movimentos sociais (Marco Weissheimer), o fator geopolítico (Miguel do Rosário), o PIG e Cunha (Paulo Henrique Amorim), o jornalismo de guerra (Paulo Nogueira), os princípios do golpe (Paulo Salvador), a liberdade de expressão (Renata Mielli), a voz de Lacerda no golpe (Rodrigo Vianna), a mobilização do senso comum (Sérgio Amadeu da Silveira), a “República de Curitiba” (Tarso Cabral Violin).
Finaliza o livro a entrevista concedida por Dilma Rousseff a Maíra Streit e Renato Rovai, realizado em 2 de agosto de 2016.
Pelo nome dos autores e pelos temas desenvolvidos, tentando abarcar os diversos ângulos com que precisamos entender o que ocorreu e o que está ocorrendo, podemos aquilatar o valor histórico deste trabalho de edição.
Estamos agora vivendo o golpe que vai sendo diariamente, o golpe de 2016, não mais o livro, mas uma realidade política inarredável e com a qual teremos que aprender a conviver e contra a qual teremos que lutar, pois ela representa um retrocesso social na construção de uma nação brasileira com história e futuro.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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