Terra arrasada; terreno preparado

A coroa do Marreco cai, quac quac quac! A capa de super-herói desmorona e o corpo fica nu:  a Lava Jato, que virou Vaza Jato – ainda que o jato aqui seja em conta-gotas – é o que todos sabíamos e quase a maioria da imprensa alternativa vem dizendo desde 2015: uma armação política e econômica.

O “combate à corrupção” sempre foi o lema presente nos golpes de estado que sofremos a cada vez que algum governo se volte para os mais pobres. Quando os governos da elite e somente para a elite roubam, ganham comissões – a minha geração conviveu com o “ministro 10%” como era conhecido Delfim Neto na Europa – tudo é normal. Faz parte do jogo. Jogar assim faz parte de nossa oligarquia. O empresário Ricardo Semler, em artigo memorável, mostrou a hipocrisia da elite brasileira supostamente escandalizada com o que sempre fez. É que a elite tem o Estado para si, e quando alguma migalha cai fora de seus bolsos, fica furiosa e brande a bandeira do “combate à corrupção”.

Não se trata de não combater a corrupção: o poder corrompe e a atenção da sociedade é necessária. Mas o que nos aconteceu a partir de 2015, quando o “paladino da honestidade” Aécio Neves começou a chocar o ovo cuja serpente hoje o silencia, foi muito além. A operação chefiada por um juiz encantado com as luzes de Nova York e com os grandes corredores dos palácios e gabinetes dos EEUU tinha dois objetivos bem claros, e conseguiu realizá-los: 1. Destruir qualquer veleidade nacional de independência econômica construída pelo trabalho e pelos recursos naturais disponíveis; 2. Afastar a possibilidade de um retorno a um governo atento ao povo brasileiro, com olhos voltados para o mundo e não somente para os EEUU.

O suposto juiz, que como juiz nunca atuou, aceitou a missão, foi teleguiado pelos acordos, consultou o Departamento sempre que necessário, mas atingiu os objetivos: Lula continua preso e continuará preso enquanto a tia Carmem Lúcia presidir qualquer coisa no STF, ainda que seja a presidência do sistema de controle do acesso a sanitários; e a engenharia nacional foi destruída – as grandes empreiteiras estavam fazendo concorrência àquelas da matriz do império – e a Petrobrás tomada de assalto, com o auxílio exuberante, alegre e feliz de Pedro Parente, de que não se ouve mais falar…    

Moro foi bem sucedido. Foi incensado. Foi coroado. Marrecou a torto e a direito. Tinha tanta certeza de que era “dono do pedaço” que lhe coube por ordem do Departamento, que não teve o menor cuidado no comando da operação. E agora o comando veio a público, com provas do que sabíamos desde sempre. A novidade é a prova, não o que prova.

Sem capa de super-herói e sem coroa, correu ao seu amado país para pedir instruções para os próximos passos. Quais serão as ordens? Saberemos logo, porque o Departamento não abandona seus quadros ao léu quando as nuvens ficam carregadas. Simplesmente faz sumir o agente por um tempo, mas este agente sendo público, esconder à Queiróz é impossível. Então, o que virá será muito pior do que o que era até hoje. Quem viver, verá. O Marreco não perderá sequer uma pena!

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.