Dizem que não há ex-fumante, apenas fumante que não está fumando. Como as consequências de ter fumado permanecem no organismo e em sua memória, isso pode ser verdade. Não sei. Agora, certamente é verdade que uma vez tucano, sempre tucano. Pode haver tucano arrependido, mas jamais não mais tucano.
Tucano de bico longo é um sujeito que nos idos da ditadura militar foram da oposição. Alguns foram até bastante revolucionários, pregando uma virada do país para a esquerda. José Serra, por exemplo, chegou a dar aulas de marxismo no Chile. O Senador Aloísio Nunes chegou a participar de modo mais direto na construção de um país mais justo. Há tucanos de carteirinha por herança, simplesmente. É o caso do menino Aécio, tão neto quanto ACM Neto. Herdeiro.
Em certo momento, os de bico longo deram uma quinada, seguindo o modelito Carlos Lacerda. Confessaram ante o altar do mercado. E para mostrar arrependimento profundo, como Lacerda, tornaram-se lacaios de bons serviços.
Com tanta vontade de servir, aliaram-se à direita (PFL, hoje DEM). Elegeram um presidente. Compraram a reeleição. Fizeram gato e sapato a serviço do mercado. Ao menos um deles, que não vinha de berço esplêndido, tornou-se rico.
No poder, atraíram para suas redes toda uma gama de burgueses endinheirados (os Jereissati, por exemplo), toda uma gama de “altos executivos” com MBA realizado nos EEUU (Armínio Fraga, por exemplo), toda uma arraia mais miúda composta por gulosos carreiristas no mundo dos negócios (gerentes em geral formados em Administração e também portadores de diplomas de MBA), no mundo da imprensa (Hélio Gaspari, por exemplo), no mundo das artes (Regina Duarte, por exemplo. Aqui não dá para dizer Alexandre Frota, pois seria uma afronta ao mundo artístico), no mundo da religião (obviamente leigos, como Geraldo Alkmin da Opus Dei).
Sei que usei aqui, na exemplificação, o que se chama de “semântica prototípica” chamando o melhor exemplo disponível. Entre o melhor exemplo e aqueles que ficam nas fronteiras de um conceito, há uma gama intermediária enorme. Esta foi arrebanhada pelos históricos e pelos prototípicos. E com isso o partido se tornou grande.
De repente, o castelo de areia começa a minguar porque o mercado acabou saturado de tanto serviço a seu favor. Paparicado em exagero, o mercado começou a ter indisposições estomacais.
E então tucanos recém-chegados revoaram. Dois deles mostram, no entanto, que a saudades do ninho é grande. Um deles foi para o PT, o tal Delcídio Amaral, e deu no que deu: um traíra que delata e afirma não ter provas, mas incrimina mesmo assim (para confirmarem, ouçam seu depoimento perante São Sérgio, um nome russo para desespero do juiz Moro). Outro vai para o PMDB, vira Secretário de Governo, torna-se ministro e grava conversa com seu patrão, o Excelentíssimo Senhor Presidente Usurpador.
Delcídio delata porque se viu encurralado. Acusa para se safar. E como na operação, acusação é sempre verdade, irá para o purgatório da tornozeleira, mas não para o inferno da cadeia. Marcelo Calero grava de caso pensado. Dois ex-tucanos que prestam serviços aos tucanato: um participando da destruição do PT; outro ajudando a realizar o sonho do golpe dentro do golpe para conduzir para a presidência algum membro do ninho (eles estão tão interessados nisso, que o partido não desiste da ação junto ao STF de cassação da chapa Dilma/Temer e continuam agindo lá, através de seus prepostos, como se não fossem membros do governo Temer).
Anunciada publicamente a gravação de Marcelo Calero, que voluntariamente a entregou à PF, estava feito o estrago. A crise bateu direto o presidente gravado. Não se sabe o que está na fita (é óbvio e ululante que Temer sabe!). Como a popularidade de Temer é baixa, as elucubrações não são nada favoráveis ao usurpador.
Saem a campo os defensores. Dizendo o que ninguém sabia: Temer agiu como republicano, aconselhando seu ex-ministro a encaminhar o processo a Advocacia Geral da União, setor para o qual devem ser encaminhadas todas as questões que mostram diferentes interpretações a propósito da gestão e condução da coisa pública.
Esta defesa confessa o crime: por que encaminhar a AGU uma questão que não envolve interesse público, mas interesse privado de um agora também já ex-ministro? Entre a defesa do interesse público, representado pelo parecer técnico da IPHAN e a defesa do interesse pessoal do futuro proprietário de um apartamento de uma construção embargada, há uma distância quilométrica para que republicanamente se pronuncie para dirimir a dúvida a ministra da AGU!
A decisão de Temer de “sugerir” o encaminhamento do quiproquó a outro órgão do governo, que não tem a função de dirimir questões entre interesses individuais de um ministro e o interesse público da preservação do patrimônio histórico, foi uma forma de pressão, queiram ou não os bajuladores de Temer.
Assim, presta o Sr. Marcelo Calero um serviço para afastar o PMDB da presidência… e abrir espaço para antigo companheiro de ninhada, sonho que Aécio não deixa de ter diariamente, acompanhado de perto por José Serra, mas sendo deixados para trás pelo jóquei Meirelles, que tem no seu encalço o ministro do partido, Gilmar Mentes que entrou no páreo. Neste aglomerado, poderá surgir em março um tertius. Como a política já ressuscitou Roberto Freire o tornando ministro, nada impede em ressuscitar defuntos vivos como FHC ou Nelson Jobim. E teremos novo presidente em mandato tampão. A guerra seguinte será em 2018.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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