TARQUINO E LUCRÉCIA

El-rei de los Romanos, rei Traquino se chamava,

para dormir com Lucrécia grande traição le armava.

Disse-lhe que vinha das Índias onde seu marido estava.

Se bem lhe fazia a cama, melhor lho ordenava,

por cima ricas cortinas, por baixo lençóis de lana.

Indo por essa meia-noite, Traquiio [sic] se alevantara,

andara de leito em leito, andara de sala em sala,

até que deu com o aposento donde Lucrécia estava.

Lucrécia que aquilo viu, infinitos gritos dava.

– Oh tu hás-de dormir comigo, ou morrer na minha espada.

– É mais certo teres, o Tarquino, eu morrer na tua
espada,

do que viver toda a vida, co’ meu marido injuriada.

Quem me dera papel e tinta e pena para escrever

o que eu havia de pôr, algumas palavras te vou dizer:

Anda, anda, ó meu marido, anda, vem-me valer.

– Cala, cala, ó Lucrécia, já não é preciso mais,

teu marido era eu, vejo já que me eras leal.

(Versão de Vinhais (concelho de Vinhais), distrito de Bragança)

(Referência: Pere Ferré. Romanceiro português da tradição oral
moderna. Versões publicadas entre 1828 e 1960.
Vol. I  Lisboa : Fundação Calouste
Gulbenkian, 2000)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.