Não tenho certeza se escrever ajuda, mas ainda assim escrevo, tenho um truque: imagino que em algum momento, alguém alcançado pela escrita, precisaria danadamente ler o que escrevi¸ então me esforço, dobro-me e rasgo meus pedaços e segredos, como se fizesse uma composição mágica capaz de mudar algo, um pouco disso, um tanto daquilo, mais isso, aquilo outro, e ainda tanto de outras coisas, misture tudo, sem bater, sove com as mãos e acrescente um pouco mais do principal sabor e sirva.
Às vezes misturo para enganar, outras vezes engano para misturar. Muitas vezes, escrever é dor¸ nem sempre as minhas. Muitas dores que, dividindo assim no texto, parecem com outras de tantas pessoas, e não se multiplicam nunca, tenho cuidado com infecção.
Não há salvamento que não seja sobrevivência.
Sobre vivências, especialmente aquelas que não enxergamos, é que escrevo, e quando escrevo me assumo sobrevivente e lanço luz aos mortos, embora cause alguns desconfortos. E quando dizem para mim dos efeitos do texto, dos meus textos, que se realizam nas leituras dos outros, eu e o outro selamos o encontro então, tornamo-nos confidentes desses segredos que partilhamos, é assim, talvez o que eu digo não faça nenhum sentido, mas penso que quem lê meus textos, sobretudo os que me alcançam e acenam para mim, permite que também eu o leia em meus escritos. Somos parceiros. No leitor realizo minha voz, escolho cores e paisagens as seleções que faço ativam suas lembranças e constituições.
Tenho tido dificuldades em dizer do que penso, do que sinto, parece que não alcanço o leitor, não escrevo bem e envolvente que o leve sequer ao fim do texto, os assuntos estão escassos, desses que temos vontade de conversar e ler mais, são só as dores sem ilustrações de um horizonte mais ameno que seja. Não. São assuntos de medo, vergonha, tristeza e agora isso de encerrar o dialogo.
– Ruptura! – alguém diz na Bbc ou no El país.
Maktub: está escrito!E aquela voz suave estrangeira quer fazer escambo, mucambos, e os quilombos. Onde estão?
Logo agora que temos tanto a resolver. Leio que em nossa história dialogou-se muito sobre as atrocidades. Uma inverdade, ou mesmo uma visão distorcida. Penso no silenciamento de nossas dores, na impossibilidade até de choro sobre nossos jovens corpos mortos, no encarceramento deliberado de um povo. E ainda vejo crianças nas ruas, fome e abandono. E mulheres sendo assassinadas. Um malabarismo linguístico para chamar de diálogo e consenso, o ocultamento das barbáries, das tragédias, do genocídio, do racismo, do machismo e especialmente do classicismo. É não dizer que o silêncio pertence aos que não tem poder, dinheiro e direitos.
Incluindo direito a voz, a escrita e vida, que resilientemente sobrevivemos, até que o salvamento se multiplique e meu texto seja múltiplo.
Escrevo.
Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.
Bela decisão! Escreva. Escreva e escreva sempre tempo todo. A arquitetura literária da sua escrita é bela. Original. Única.Sempre recheada com sentimentos e sentidos humanos de uma existência ousada. Rebelde, Talvez.
Parabéns.
Abraços