Sobre saber: entre Dorival e a rosa

Não há nada de novo, então falemos de amenidades.

Só farei antes um recorte rápido e sucinto do julgamento do Sr. Silva, que como todos nós sabemos, nem devia pela ordem natural das coisas ter ido parar no Supremo, e não sou eu que digo, foi mesmo o excelentíssimo Ministro Barroso que disse que aos pobres esse tribunal sempre é negado. Não é por mérito, mas questão de classe. Acrescentarei ainda outro recorte, questão de ordem, como a presidente que outrora franzia a testa para flexibilizações do português, não aceitando a flexão de gênero ao título que lhe cabe, agora, flexibiliza a ordem, sabe aquela regrinha aritmética que aprendemos lá no fundamental: a ordem dos fatores não altera o produto?  Ops… a tia brava franziu a testa, altera a ordem e mostrou quem é que manda. E mudou o resultado, ou produto como queira.

Essa coisa de quem é que manda, é mesmo uma incógnita. Só quem sabe é Dorival. Conhece Dorival? Mas como desejo que você leitor me acompanhe até o final, manterei o suspense.

Depois do recorte volto à superfície. O conforto nosso de cada dia. Uma rosa, flores, todo um jardim, self, um coentro na sopa, um exercício sem impacto, um papel reciclado. Sobre o preço da gasolina não falemos. É muito complicado: lastro, moeda, petróleo, divisas, economia mundial, pré-sal; quando como foram explicar em outro tempo a subida dólar, usando a importação do trigo e o preço do pão. O que não se dá a entender. Não há compreensão.

Os dias ficam mais longos quando não há tempo para a alegria, a rosa não é para todos, já sabemos! Então se tiram os sonhos, restará eternidade, aquela prometida. Não passa. Não passará.

Certo dia conversava com uma amiga, gente de mais alta patente nas questões de “sabidoria”, olhava nos meus olhos e me dizia assim: “Tudo tem remédio, até a morte”. Não entendia, mas fingia entender, que era pra ouvir sempre suas histórias, ninguém quer falar ou escrever para que não entendam. O entendimento vai se dando depois, e quando não nos damos conta, já tornamo-nos repetidores do saber. Volto à sentença: Tudo tem remédio, até a morte.  Seria o até uma preposição ou uma palavra denotativa de inclusão? Quem sabe? Quem manda?

Não disse antes para que alguns não deixassem de ler, minha amiga é preta, assim como eu. Temos uma compreensão diferente do mundo, a alma é marcada demais, e não conseguimos sequer dizer de forma banal que resistimos. Pedindo vênia aos amigos e leitores brancos, quero dizer que isso de resistir dos brancos é uma bobagem. Resiliência então! E não se avexem, porque reivindico essa propriedade e não é porque seja boa. Acreditem.

Continuarei sobre amenidades, assuntos leves que podemos ter enquanto tomamos um café, um chá ou um vinho nas noites frescas. Para contemplar alguns vou ter que verificar a grafia de champanhe, porque muitos gostam das borbulhas no céu da boca, e com esses também falarei amenidades se assim quiserem. Comprem-me rosas, não vermelhas. Não por hora.

Em um esforço que dedico aos que me querem

bem, serei poliglota emocional.  Inclusive para aqueles que reconhecem o sofrimento dos negros e negras que constituem esse povo: que morre assassinado, que é preso, julgado sem juiz ou justiça, que não tem acesso as oportunidades reais, tampouco direito a beleza, ao afeto, direito a representação, que não podem errar, mas podem dormir, talvez amanhã sonhar, melhor não. Quem sabe? Quem manda?

 A felicidade é uma arma quente diz o convite de uma roda de samba. Surto de gripe pode estar matando pessoas, quando lemos uma noticia assim ‘pode estar matando’ sabemos bem que alguém já tem certeza, mas quem? Quem manda?

Ontem foi aniversário de morte de Martin Luther King Jr., que lembrança fúnebre e contrarrevolucionária, não acha? Será que hoje chove? Talvez eu devesse apagar as contas de redes sociais, parece que é perigoso. Quem manda?

Bobagem! Amenidades e imagens agradam muito, estabelecem vínculo inclusive. Adoro vídeos de receitas de dieta low carb, amo foto de animais, gatos e cachorros, fazendo fofices, vídeos engraçados, seriados, novelas, um futebolzinho mesclado com a vida social dos jogadores, outra coisa que amo: rosas.

Não é justo que eu não diga quem é Dorival, especialmente aos que me leram até aqui, mas tenho coisas estranhas, de noite lembrei-me de um curta metragem que vi há alguns anos atrás, chamado “O dia em que Dorival encarou a guarda” de Jorge Furtado, esse que para mim dispensa comentários. Revi, quatorze minutos, pareceu-me melhor do antes.  Já avisei que não sou crítica literária, mas como apreciadora da boa arte, dou meus pitacos, quem não?

Dorival é um negro que oferece uma resposta, um caminho.  E em breve volto a falar dele, usando a estratégia que aprendi ontem, dar e negar, ir e vir, dizer e não dizer. Então, antes do negro Dorival, e de representação simbólica, falemos sobre outras possibilidades, a possibilidade de usar Rosa, não Guimarães Rosa, hoje não! A rosa hoje é outr

a.

O texto está cheio de repetição, mas atenham-se e sejam complacentes, porque foi o critico renomado Gilberto Mendonça Teles, meu conterrâneo, e espero atleticano como eu e seu irmão José Mendonça, que atribuiu importância à estilística da repetição, bem verdade que em Drummond, mas deixem-me evocá-lo em minha defesa. Repete-se o que se quer evidenciar: a rosa é quem manda.

A escolha da rosa é o princípio, que em efeito circular nos levará ao fim. Falemos da rosa que decidiu sobre vidas.  Aquela usada como recurso final, porque esgota as possibilidades, matando sonho, já ouviram Rosa de Hiroshima? Talvez seja uma trilha sonora boa para hoje: “Pensem nas crianças/Mudas telepáticas/Pensem nas meninas/Cegas inexatas/Pensem nas mulheres/Rotas alteradas/Pensem nas feridas/Como rosas cálidas/Mas, oh, não se esqueçam/Da rosa da rosa/Da rosa de Hiroshima.” E tem quem diz que a poesia não dá conta das nossas dores.

Tudo bem, conto agora quem é Dorival.  Ele é negro, assim como eu e minha amiga. Dorival está preso, deve até aparecer nas estatísticas de prisões por mixaria, 100 gramas de maconha, talvez. Ele tem um desejo, talvez simbolicamente possamos dizer que é mesmo um sonho: tomar um banho. A impossibilidade de ter atendido seu pleito, se dá por uma ordem que ninguém sabe quem deu, mas cumprem. Após dez dias, eis que Dorival resolve encarar a guarda, toda ela com uma pergunta: Quem manda? E os responsáveis por cumprir a ordem não sabem, mas a pergunta é retórica, porque no fim ele sabe quem manda para a surpresa de seus algozes. Vale muito a pena conhecer Dorival. Depois ficam as perguntas: E se todo mundo resolve encarar a guarda? E se não fo

r possível mais sufocar nossos desejos? Quem manda?

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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