Sobre convites e afogamentos

Espero. Acabo de ler de um colega que períodos curtos significam pobreza de escrita, explicou assim: – como a pessoa não domina todos os mecanismos de evolução, gradação, e organização dos períodos, deve optar por períodos curtos e simples, de modo que estes sejam organizados em blocos de ideias que ao final, revelem o sentido que se quer dar ao texto. Então, tá.

Antes de dizer sobre escrita e leitura, e sobre minha incompetência em aulas fordistas preciso fazer um grande parênteses, e talvez me alongue tanto que não explique, mas é sobre isso. É preciso dizer que na próxima semana o prof. Wanderley Geraldi estará na Faculdade de Letras da UFG, minha casa de origem – onde sempre esteve em leituras e estudos linguísticos, formação de professores e admiração – dada a sua relevância para o ensino de Língua Portuguesa no Brasil e linguística.

Estou ansiosa e neste texto partilharei um pouco dessa ansiedade, dada a conjuntura política do país o encontro pode ser mais tímido do que deveria, e nisto entendemos muito do porquê chegamos ao ponto onde estamos. Sem medo de errar Geraldi está para os professores de língua portuguesa, e linguistas o que Paulo Freire está para pedagogos.

É um texto convite, sem sê-lo. É um texto de muita gratidão.

Sempre gostei de pensar na escrita e na leitura de narrativas como um jogo de quebra-cabeças nunca antes vistos, perceba que as palavras estão ali, e a sua arrumação, cada palavra colocada, ou retirada, imersa, ou submersa, cada pecinha de um quadro infinito, pertencente a um contexto, descontextualizada, não têm um lógica única, de forma que não pode formar um único quadro, mas múltiplos e inclusive nenhum.

A linguística, para mim (devo tomar cuidado uma vez que escrevo em um blog de um dos maiores linguistas do país), é esse não jogo de quebra-cabeça que muito mais se assemelha a uma busca incessante de novas imagens e possibilidades a partir das investigações que prefiro chamar de jogo de procurar. E, então, pobre que sou não construo períodos longos, antes faço períodos de apenas um verbo: Espero. Ainda assim, diante das minhas limitações, inclusive de escrita, com parágrafos curtos, me lanço ao mar. Saberei eu navegar? E vou produzindo leituras e escritas que desafiam e desagradam a ordem gramatical, e social vigente.

Espero. Assim mesmo, como Drummond, repito. Me deu conta então de porque é necessário que meus alunos saibam mesmo sem ter lido alguns bons textos e observado a genialidade do mineiro que a estética da repetição é um recurso importante, mas é autoria. Que juntos lendo os textos, identifiquemos as repetições do autor, e por meio delas reflitamos que as coisas mudam inclusive e, sobretudo, de acordo com o sujeito que diz e o modo de dizer. Isso é dizer para os meus alunos e para mim que: repetir não é autorizado a qualquer um. Veja bem, não se apegue meramente ao autor, o que contrario e quero desvelar é maior, são as relações de poder, de quem pode dizer o que quer dizer.

Seguindo, quase ao me afogar no mar, respiro. Professores em sala são salva-vidas e suicidas. Os manuais, os conteúdos, e todo o mundo que importa para alguém. Quem? Não há plural de quem, a gramática me diz.  Prefiro o poeta que diz que estamos por um triz. E tantos mundos ali acontecendo.

Ao escrever repito, porque conheço a estética da repetição, então a trago para o texto, anunciando-a, e posso usá-la porque o conhecimento confronta as regras, até as próprias regras. Dito isto, ocupo agora o lugar bem confortável da repetição: Espero. Não me entendam mal, não quero aqui criticar o poeta, quem sou eu (?), mas é preciso estabelecer em nossas leituras os lugares das hierarquias: ensinar a ler os enigmas sociais.

Espero. E também tenho pedras no caminho, e plurais vários. Entendem o que digo das pecinhas e palavras do jogo de procurar? O saber e o texto me salvam de novo. Sempre o texto – aprendi com Geraldi.

Desde o primeiro momento estava ali esperando no porto, sem as passagens para o embarque. Era preciso antes compreender que o texto, não estéril, seria soberano afinal, porque ao ler eu falo de mim, das minhas compreensões, do que sei, do que acredito e o aluno fala de si, e então dialogamos verdadeiramente.

Meus eus vários: professores com esperança de transformação. Perguntar para o texto: tens a chave?

Nada disso faz sentido, continuava parada sem poder embarcar, é que para alguns o embarque não é imediato, muitas vezes é pelas margens, outras tantas apenas pela surdina uma vez que somos e fomos invisíveis. Até que o invisível se fez visível, realidades enxergadas por meio das palavras. A aula como acontecimento: as pessoas, todas elas, inclusive eu, mulher, negra, sendo enfim sujeito do meu texto: dos que leio e dos que escrevo.

Muito tempo. Ainda espero. Não espera de ficar esperando, mas de esperançar, sabe como? Só poucos sabem. E, eis que vem do próprio Geraldi a leitura que convida a integrar seu blog. Esses convites muitas vezes poderiam chamar salvamento. Mal sabia ele que um tanto antes já havia aceitado outro convite seu (marejado de Fernando Pessoa) extensível a todos os professores, vejam:

“Navegantes, navegar é preciso viver. Nossos roteiros de viagens dirão de nós o que fomos: de qualquer forma estamos sempre definindo rotas – os focos de nossas compreensões.“ (Geraldi, João Wanderley. Portos de Passagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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