Um querubim do Departamento assoprou-lhe ao ouvido, em voz adocicada e convincente:
– Tu serás nosso Enviado. Vê bem que associado a nós terás vantagens enormes. Nossas universidades te convidarão para conferências, para palestras, para salamaleques. Mas como Enviado, deverás cumprir o destino que a este Departamento aprouver.
– E estarei sozinho para realizar tal destino? Não me darão sequer um cozinheiro, um olheiro, enfim, um auxiliar? Nem sei qual o destino que ao Departamento aprouve, mas sou homem de poucos requebros, venho de lugar enfadonho e por isso esta oferta de fama nas universidades já me dá gosto na boca. Já me vejo falando na língua amada e conhecida, que a minha própria, dita materna, vive me embaralhando.
– Preocupação nenhuma. Bem sabes tu, não nos faltam dinheiros desse que fizemos render aqueles primeiros 30 dinheiros do passado. Tu terás o que for necessário.
– E como me apresentarei? Que república terei de fundar?
– Apresenta-te como Enviado do Senhor, que por lá não faltam pastores e bispos, templos e públicos para acreditarem que a missão é divina!
– Contarei então com forças para a tarefa! Estou disposto, oh querubim, a tudo fazer de acordo com as ordens emanadas do Departamento, de forma grada e grata, porque estou garantido que terei espaços cá e lá.
E assim retornou o abençoado Enviado. Montou numa cidade uma república, chamou a si tudo o que podia e o que não podia, em quebras de braços com outras hierarquias. E em segredos bem guardados pelo aplicativo seguro deu ordens, instruiu a equipe e realizou o serviço: tratava-se de trancafiar na cadeia um inconveniente cidadão que se atrevera a levantar a cabeça de sua terra, estabelecer laços inconvenientes com os concorrentes, e crescer a tal ponto que prejudicava já os negócios dos que financiavam o Departamento. E muito pior: depois de alguns anos afastado e golpeado, mas sempre amado pelos seus, queria voltar para continuar a destruir os homens de bem, aqueles que rezam pela cartilha que lhes forneceu o Departamento. Foi trancafiado. Em tempos outros, aqueles tempos áureos do grande império, com uma crucificação tudo estaria resolvido, além de fornecer o circo de horrores tão necessário à edificação do povo! Mas – que pena! – os tempos são outros e mesmo tudo podendo, isto não podemos…
Tudo fazendo, bajulado e incensado, o Enviado se sentiu com honras a direitos mais elevados do que simples palestras em universidades do interior do império. Primeiro, pensou que junto com sua equipe poderia ter uma fundação sua, com alguns bilhões extraídos da nação. Mas antes mesmo de se erguer, a fundação ruiu nos sonhos dourados do serviçal encarregado pelo Enviado, o chamado Neemias, o profeta, o infantil e imberbe, que tanto sonhou que teve ejaculação precoce e abriu o bico antes da hora! Segredo contado, deixa de ser segredo… e algumas hierarquias não convidadas para a divisão do bolo se sentiram escandalizadas, não pelo fato, mas por não terem seu quinhão. A fundação afundou. Indo para as profundas, a fundação infundada abriu as portas e os olhos de muitos… Ainda assim, o Enviado continuou a sonhar alto: quis ser ministro da Corte, quis a corte, cobrou o serviço do beneficiado pelo seu trabalho de algoz. O beneficiado disse:
– Sei que és o Enviado, talkei? Mas antes da corte, passarás por uma aprendizagem, talkei? Frequentarás meu palácio, talkei? Serás meu empregado, talkei? Que preciso amparo em sua boa fama, talkei? Depois, irás para a corte com garantias vitalícias, talkei?
Estava o Enviado, agora empregado do beneficiado a prestar seus serviços, isto é, fazendo ouvidos moucos e calando a boca.
E então aconteceu o inesperado, o desnecessário: alguém forneceu as mensagens e as instruções distribuídas pelo aplicativo seguro, as confabulações e armações, os arranjos e os desarranjos, diarreias e caganeiras vieram ao conhecimento de todos! Extrema infâmia! Coisas de comunistas, só pode! Foi o trancafiado Lula que fez isso, só pode! Ou a culpa é da Dilma?
Terá o querubim do Departamento se cansado do Enviado? Ainda saberemos. A velocidade da novas tecnologias tornaram rápida a história.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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