Todo mundo sabe – e não adianta apostar na pouca memória, porque os fatos são extremamente recentes – que Lewandowski havia negociado um aumento absurdo para o judiciário com o interino Michel Temer.
Depois disso presidiu as sessões do Senado que não julgaram se havia ou não crime de responsabilidade. E a presidência da sessão jamais chamou atenção dos senadores para um julgamento de conteúdo! Apenas se manteve como maestro do rito para que se chegasse ao final com que já se comprometera. O preço já estava definido e já tramitava no Congresso Nacional: o aumento de mais de 40% para os magistrados com todos os efeitos em cascata que representava tal aumento.
Os governadores gritaram (afinal, quem paga os juízes são os Estados, exceto os das Varas Federais). O PSDB estrilou porque quer ajuste fiscal: precisa pagar sua parte do golpe para o rentismo. Há que economizar para sobrar mais para os pobres bancos cujos lucros aumentam vertiginosamente apesar da crise econômica que estamos vivendo, uma crise internacional provocada por estes mesmos bancos!
Acuado, Michel Temer roeu a corda e se manifestou contrário ao aumento negociado com Lewandowski! Afinal, o silêncio olímpico do STF já tinha cumprido seu papel. Tornava-se descartável, como se descartou Eduardo Cunha. Afinal, um Supremo que se amedronta diante das ilegalidades de um juiz de primeira instância; um Supremo que tem em seu “quadro” um ministro que não esconde que age partidariamente; um Supremo que se vê acuado em suas decisões – lembremos da decisão de Dias Toffoli, o acólito de Gilmar Mentes, reconduzindo Ricardo Melo à EBC 14 dias depois de seu afastamento assinado por Michel Temer, num ato de intervenção na Empresa Brasileira de Comunicação e num gesto contra a liberdade de expressão.
Pois Dias Toffoli foi parar nas capas da execrável revista semanal que não faz jornalismo, apenas suja a imprensa brasileira já de per si tão abjeta. E foi para as páginas da denúncia gratuita não porque os editores da revista sejam analfabetos, foi porque assim o queria a força-tarefa da operação conduzida pelos interesses das empresas norte-americanas no pré-sal e no setor de construções de infraestrutura. Não é Moro que a conduz; ele é conduzido e prazeirosamente conduzido.
Agora em aula na Faculdade de Direito da USP, eis que o ministro Lewandowski afirma: “Nesse impeachment que todos assistiram e devem ter a sua opinião sobre ele. Mas encerra exatamente um ciclo, daqueles aos quais eu me referia, a cada 25, 30 anos no Brasil, nós temos um tropeço na nossa democracia. Lamentável. Quem sabe vocês, jovens, conseguem mudar o rumo da história“.
Pois agora, sem o aumento negociado para o judiciário, eis que o Senhor Ministro lamenta o “tropeço na nossa democracia”. Tropeço na democracia? A este se seguem em ordem lógica e consistente outros tropeços, como este da rejeição do aumento do judiciário (justo, justíssimo, pois quem deve precisa pagar); da MP do ensino médio; da proibição por MP de aumento de alugueis dos ricos que ocupam terrenos paradisíacos nas praias brasileiras independemente de estarem até 1000% defasados; da definição por 20 anos de atraso na democratização do país. São tropeços.
Lamentamos nós pelos tropeços, senhor ministro. Seja bem vindo aos lamentos pelos tropeços praticados pelo golpe na democracia.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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