“SE PRENDEREM LULA, O MORRO DESCE”

O carnaval deste ano (2018) gerou e produziu um novo cenário real, uma nova conjuntura política e social do Brasil, com alegorias, fantasias, máscaras, danças, cantos, gritos e enredos perspicazes de protestos contra o governo golpista de Temer e de seus aliados e apoiadores. Diversas escolas de samba e múltiplos blocos carnavalescos aproveitaram a alegria popular e constituíram o carnaval nas avenidas, nas ruas e nos sambódromos como arma na luta contra as injustiças dos governantes, dos políticos, aliados ao governo, dos juízes parcialistas, dos empresários corruptos e contra a espetacularização manipulada dos crimes e das tragédias humanas pela mídia televisiva.

Para impedir os morros (“pervertidos” e “criminosos”) a descerem às planícies das civilizações (“impávidas” e “colossais”) é preciso fazer a intervenção federal preventiva, com as Forças Armadas do Poder Militar, no Estado e na Prefeitura do Rio de Janeiro, tudo e sempre por determinação astuta e estratégica do “presidente vampirão” – alegria genial e justa criada e exibida pela Escola de Samba Paraíso do Tuiuti. O decreto de intervenção federal é o último (o mais recente) ato de terrorismo do Temer “vampiro”, contra o povo brasileiro. A intervenção – segundo ele e o ministro da justiça – deles – é necessária e urgente, deve ser aprovado antes que seja tarde. Quer dizer, antes que o Lula seja preso e os morros turbulentos desabem sobre as planícies cultas e ordeiras.

Aprendemos com a história dos homens – com suas maravilhas, controvérsias e horrores – que toda intervenção pelas forças do poder do estado, tanto pelo poder civil, poder militar ou pela união dos dois poderes, é um golpe pretensamente redentor que, via de regra, se metamorfoseia e se constitui em ditadura civil-militar, muitas vezes com as bênçãos e graças das religiões, sempre como pretexto e justificação, intervenção vestida de capa redentora, assim de natureza e missão salvadoras, valendo-se das forças militares para reestabelecer – ou prevenir – e manter a ordem social da nação. Este pretexto, quando desmascarado, se revela uma luta ideológica de correlação de forças, onde o poder de classes dominantes se impõe para impedir a ascensão das classes trabalhadoras populares ao poder. Mesmo quando o golpe – intervenção direta ou fantasmagorizada de impeachment – se autoproclama de constitucional e justo, é ilegítimo e antidemocrático, porque se faz à revelia das decisões democráticas e contra a vontade do povo.

A intervenção federal – civil militar – no Rio de Janeiro é um acirramento da luta contra a possibilidade real do ex-presidente Lula voltar à Presidência do Brasil. O Temer e seus aliados e apoiadores – políticos, rentistas, intelectuais orgânicos, empresários do capital nacional e estrangeiro estão (apavorados) diante de um dilema de potencial trágico contra eles – duas situações plenamente possíveis. A primeira situação, mais aterrorizante para o governo ímprobo e réprobo, é a seguinte: se a Justiça não condenar em instância suprema e não mandar prender Lula, ou, se pelo menos não o tornar inelegível, Lula será candidato, será eleito democraticamente presidente, empossado de direito e governará o Brasil com prioridade a programas sociais. A segunda situação, também aterrorizante para as elites neoliberais, é a seguinte: se a justiça mantiver a condenação e mandar prender Lula ou, pelo menos, torná-lo inelegível nas eleições de 2018, os “morros descerão”. Quer dizer, os movimentos populares de manifestações e protestos tomarão conta do Brasil e poderão comprometer radicalmente a ordem imposta e, provavelmente, interferirão no processo eleitoral. As possibilidades dos candidatos de direita e centro-direita ganharem as eleições são mínimas nestas circunstâncias e neste jogo de correlação de forças.

Portanto, a intervenção federal é uma estratégia ideológica e de manipulação da opinião pública, mediante um discurso da ordem, da espetacularização dos crimes, da violência nas periferias e favelas e um recado amedrontador aos movimentos de protestos sociais e políticos. Enfim, a intervenção é um despotismo do império ímprobo e réprobo dos golpistas. Por que, se os crimes – roubos, desvios, assaltos, tráfico de drogas – das favelas justificam à intervenção militar federal, logo a intervenção deveria começar em Brasília no Congresso e no Palácio.

José Kuiava escreve neste Blog às quartas-feiras

José Kuiava Contributor

Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.