Quem não se emociona e não se comove ao ver um homem chorando? A cena é patética: Rodrigo Maia, então Presidente ocasional do Brasil, com lenço branco na mão direita enxugando o olho direito fechado, olho esquerdo totalmente aberto, a boca semiaberta e torta, o cabelo despenteado, com a cara de quem está sofrendo profundamente de tristeza. De alegria, será? Esta imagem encenada na frente das câmeras e dos holofotes deve ter emocionado milhões de brasileiras e brasileiros. Inclusive, criancinhas. Eu, ao contrário, igual a outros milhões, senti náuseas, nojo, com fortes ânsias de vômito. Vi o choro do Maia fingido, falso, hipócrita, encenado diante das câmeras e holofotes para comover e seduzir a opinião pública. Não sei porque, mas me veio no pensamento a expressão popular “lágrimas de crocodilo”. Sentimento muito adequado e verdadeiro para a ocasião, com certeza.
Por que? Para quem não se lembra ou não conhece a expressão popular, o crocodilo, para capturar sua presa, fica submerso na água bem à beira do lago ou do rio, somente com o nariz e os olhos fora da água. Totalmente imóvel, igual a uma pedra ou tronco de árvore. Aí o veado, o gnu e outros animais silvestres vem beber água e são abocanhados pelo crocodilo. Este, o crocodilo, come a presa sem mastigar, engole por inteiro, com muita pressão na glândula lacrimal. Aí, lacrimeja, sem dor e sem sofrimento. Pelo contrário, degusta com muito apetite e saboreia a vítima, com a qual se alimenta, se produz e se reproduz. No caso Maia, um choro encenado. Maia e o grupo dele de políticos e empresários faliram o Estado do Rio de Janeiro. Agora, com o poder máximo nas mãos, Maia recupera o Estado do Rio com o dinheiro da União, quer dizer, dinheiro comum de todos. E chora, emocionado, ao assinar a medida, ou melhor, o golpe.
Na verdade, estamos vendo diariamente e a todo o instante cenas e imagens de popularização dos políticos golpistas que clamam e proclamam uma harmonia constitucional dos Três Poderes. Pousam para as câmeras com caras serenas, patéticos, andam de passos lentos, de corpos bem postados e vestidos de terno e gravata bem elegantes, sorridentes, demonstrando domínio e controle pleno do governo e das crises que assolam o país. Fingem o domínio de uma hegemonia consentida pela opinião pública. Assim, o fato de um presidente ocasional, não eleito, chorar diante das câmeras é uma estratégia para sensibilizar e comover as massas populares – vitimas ingênuas – um público telespectador, escravo e dependente do entretenimento televisivo, estasiado diante de tragédias e cenas espetaculizadas ao vivo da vida real. Um público indignado, mas, ao mesmo tempo, seduzido por espetáculos fantasmagorizados.
Estas cenas e imagens fazem parte da estrutura ideológica das elites políticas, consorciadas com as elites do capital. Ideologia entendida aqui em seu sentido ampliado e não restrito. Ideologia como Antônio Gramsci viu: “Uma concepção do mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da vida individual e coletiva”. Esclarecendo melhor, a ideologia nos partidos políticos, nas associações, nos sindicatos, nas corporações, nos movimentos sociais, nas instituições e nos órgãos governamentais e na sociedade civil, enfim, da superestrutura de uma sociedade de classes sociais. Temos as ideologias e as contra-ideologias em luta pela hegemonia. Estamos no campo de batalha e nesta correlação de forças as classes dominantes se valem de toda a estrutura ideológica para incultar e manter no poder a ideologia dominante. Com lágrimas de crocodilo, se necessário.
Bem longe daqui e nos tempos bem distantes, alguém muito importante na literatura escreveu: “Todo mundo é culpado de tudo” (Dostoiévski). É verdade, mas faltou explicar: “Porém, alguns são bem mais culpados pelos roubos e pela corrupção do que todo mundo”.
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
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