Reunião do Conselho Superior

Graves, sisudos, eles vão chegando e tomando assento naquela ampla sala com a longa mesa e com cadeiras de espaldares altos. Nada que lembre as atuais salas de reuniões de executivos de uma grande empresa. Não: tudo ainda é antigo, digno, severo, austero.

Foram convocados pelo Reitor da Universidade. A questão parecia grave. A velha Coruja, representando a filosofia, estava de olhos arregalados querendo entender e buscando responder: “onde estão as raízes profundas desta manifestação?”; o Sapo, representando as matemáticas todas e as improváveis, calculava a ação, a reação e os efeitos, e se perguntava: “sobrarão restos?”; a Onça Pintada, espevitada e ativa, representando as engenharias, nem queria sentar: “tenho tantas coisas a fazer, para que perder tempo com essas ninharias?”; a Pomba Branca, pregando a conciliação entre os extremos das ideologias das ciências humanas, dizia: “Calma, minha gente! Temos explicações, mas não podemos ser coniventes: a paz se conquista com a ação em casos que tais.”; entra rompante o Elefante, representante dos cursos mais procurados, os das ciências médicas: “Não podemos deixar de considerar os recursos carreados para a universidade pela classe social do suspeito, do indigitado. Por isso, sejamos magnânimos com nosso querido aluno!” O Pavão chegou de penas erguidas. Representava as Ciências Jurídicas. E alertava: “as regras sempre têm diversas interpretações, e a interpretação que vale é aquela de quem tem dinheiro… cuidado, os Patos Amarelos são donos do dinheiro e do poder”.

E assim foram chegando todos. Até a Gata caseira mas universitária, representante do corpo discente e autora da denúncia: “Nós, os Gatos e as Gatas, sempre convivemos e aceitamos os Patos Amarelos, mas este Pato amarelou demais, numa universidade tudo se aguenta, menos isso!”

O Leão, reitor, entra e toma assento. Lê a pauta de reunião: aplicação de penalidade de expulsão de estudante. E passa a palavra à Gata representante:

“O pato amarelo XY explicitou publicamente o que pensam os Patos Amarelos: que com B em pouco tempo matariam toda essa negraiada. A negraiada, como sabem, são as laboriosas formigas que nunca tiveram e nunca terão assento aqui nem lá nas salas de aula. Nós, os Gatos e Gatas, somos solidários com as formigas. Por isso denunciamos e exigimos que o artigo 124 do Regulamento seja aplicado no caso, por violação do comportamento acadêmico esperado de um Pato Amarelo, sempre proveniente das boas famílias da nossa sociedade. É o que tenho a dizer!”

O reitor Leão olha cada um de seus sábios conselheiros. Apenas o Elefante pede a palavra: “Não esqueçamos que dos recursos… vivemos deles… eles financiam nossas atividades… e ele é Pato Amarelo, como reagirá a família Pato-amarelense do país? Sempre penso que devemos ser magnânimos…”

O Sapo das matemáticas fez olhar de paisagem: “nada do que não é exato me interessa…”. Dona Coruja, ocupada com as questões fundamentais da vida esqueceu qual era mesmo o assunto em pauta. Dona Onça traça planos, folheava e não encontrava um foco de atenção definitiva.

E então a Pomba Branca se sentiu na obrigação de aconselhar: “A paz do nosso campus não pode ser perturbada… melhor seria que os Gatos e as Gatas tivessem ficado calados. Mas já que denunciaram, nas ciências sociais e literárias sabemos que “negraiada” é uma expressão do racismo e que dizer “mataremos” é uma ameaça. De modo que temos aqui dois crimes tipificados: racismo e ameaça. Não é possível esconder o sol com a peneira. Teremos que aplicar a expulsão.”

Satisfeito com seus conselheiros, o reitor Leão põe em votação e tendo os conselheiros percebido que ele era favorável à expulsão do Pato Amarelo, todos votaram pela aplicação da pena, até o Elefante com jeito apático e com cara de quem está dizendo: “eu avisei…”

Foi pois o Pato Amarelo X expulso da universidade, uma decisão soberana de uma entidade universitária e privada. A comunidade dos Gatos aplaudiu, os Patos Amarelos não apareceram no campus naquele dia. Mas os princípios confessionais que regiam a instituição foram salvaguardados.

Mas então – e nestas histórias sempre há um “mas” – o Pato Amarelo consultou os outros Patos Amarelos; os pais do Pato Amarelo não gostaram nada da decisão e foram atrás de seus mais fieis servidores, aqueles Pavões com banca e plumas.

Todos os consultados foram unânimes: não é crime! No país temos um princípio constitucional que defende a livre expressão da opinião. Trata-se de opinião, nada mais.

E assim foram feitos papeis, chamadas testemunhas, até que um Corvo Togado concluiu: “Pato Amarelo jamais comete crime. Condene-se a Universidade e todos seus conselheiros a rematricularem o expulso sob as penas pretas das nossas leis, pois elas servem aos Patos Amarelos como nós. Registre-se. Publique-se. Cumpra-se.”

E o Pato Amarelo voltou com a mesma cara de sempre, grasnando, grasnando… e assustando todos os Gatos, Gatas, Corujas, Onças Pintadas, Leões e Elefantes… Só os Pavões se pavoneavam respeitosos diante de seus patrões, os Patos Amarelos.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.