Em pleno Maio de 2018, me vejo interpelada pelo Movimento Estudantil que ocupa o Campus Universitário do Araguaia, da Universidade Federal de Mato Grosso, em nome de uma luta pela garantia de políticas de assistência estudantil. A questão que desencadeou o Movimento foi o aumento do preço do Restaurante Universitário, principal assistência estudantil de muitos estudantes: a alimentação.
E não sou eu quem falará sobre esse assunto. Simbolicamente, é um estudante, que vive a realidade do desmonte da educação brasileira, quem nos dirá o que pensa sobre a necessidade da resistência em tempos de perdas.
(Fotografia de Jessé Santos. Texto do acadêmico do Curso de Jornalismo Marcelo Almeida Duarte.)
Resistir é existir
Qual a relação entre os movimentos estudantis e a postura filosófica de Michel Foucault? Para tal reflexão iremos direcionar o nosso olhar para o movimento estudantil da UFMT-CUA, onde os alunos ocupam o espaço da universidade desde o dia 20/04 em protesto contra o aumento de 400% no valor do restaurante universitário, que passaria de 1,00R$ por refeição para 5,00 R$.
A resposta talvez não esteja em um determinado livro como a História da sexualidade e sim no fato do porquê Foucault escrevia livros. Escrever para Foucault é tomar uma postura diante do mundo. Por essa razão é que olhamos para uma estética de existência desses alunos, a postura adotada diante da vida dos encontros e desencontros com o mundo, não é apenas ocupar é dizer aos poderes instituídos que não se aceita mais essa forma de se fazer política, que existem outras possibilidades.
A ocupação da universidade é a forma encontrada por eles para se fazer existir e se constituir enquanto sujeitos, é mostrar que a liberdade só existe no confronto, na possibilidade de novas formas de relações de poder. É se posicionar diante da vida e assumir os riscos de uma vida que se materializa no confronto diário para que o seu modo de ser no mundo seja reconhecido.
Não é preciso buscar uma origem na racionalidade que diga o porquê do movimento estudantil ocupar os espaços da UFMT-CUA ou uma universalidade que justifique a postura dos alunos. O que os alunos propõem é uma autonomia de si, é sair da posição sujeito-aluno que necessita da tutela de alguém que lhe diga, o que fazer, como fazer e os motivos que lhe movem a fazer algo.
Olhando para essa busca pela autonomia de si é que nos deparamos com a interpelação de Foucault a Aufklärung de Kant, muito mais que um momento histórico, Foucault advoga que ela é uma postura diante do presente, ao ocupar a universidade a uma transgressão do que foi imposto os discentes efetivamente mostram que se pode ser muito mais do que fizeram deles.
Se resistir é existir, os alunos estão promovendo um desdobramento sobre si, se colocando em outro lugar, lugar este que desafia o fazer de si juntamente com a vida a se tornarem uma obra de arte, a onde serão atravessados pela questão que perpassou Nietzsche, Foucault e tantos outros “ o que estamos fazendo de nós mesmo? ”
A insurreição dos alunos não se dá apenas pelo aumento exorbitante do valor do Restaurante Universitário, ela é uma junção de várias lutas que ressoam entre si, desde as questões de gênero até a reforma agrária. É insurgir diante dos retrocessos das políticas direcionadas a educação, erguer-se contra poderes que tentam disciplinar, normatizar e a sujeição as formas de subjetividade e submissão.
Rebelar contra a universalidade que o poder impõe, é respeitar as singularidades que estão emergindo desse confronto, é nessa relação agonística entre estudantes e a reitoria da universidade que se rompe o instante, é o acontecimento, que não é um fato ou dado é o choque entre duas vontades de potência que ao se confrontarem, faz emergi uma singularidade essa por sua vez vai produzir novas formas de ser e estar no mundo.
Essa luta dos estudantes pela permanência do Restaurante Universitário a um valor acessível, transpassa os muros da universidade indo muito mais além, é confronto que se faz também pelo “povo por vir” por aqueles que ainda aguardam o seu momento, sejam os secundaristas ou qualquer outro que deseja adentrar a universidade.
Revoltar-se não é inútil atrevendo a responder a pergunta feita por Foucault no Le monde em 1979, a resistência dos alunos é um embate contra as microfísicas do poder, não deve ter a pretensão de universalidade ou de totalidade, muito menos o desejo de inspirar uma hierarquia de liderança que guie os até a terra prometida. É uma resistência que deve aspirar ares de uma vida além das formas de vidas aceitas, compreendendo que mudar é necessário.
Que a movimentação dos alunos não tenha a pretensão de produzir uma verdade, muito pelo contrário que dali possa sair inúmeras formas de intervir na política e na própria representação da vida, que acima de tudo eles não se deixem se seduzir pelo poder, como alertou Foucault.
Para se viver uma vida como uma obra de arte, para transformar uma resistência em um modo de existir no mundo, talvez seja preciso seguir o que Lou Salomé uma mulher muito além do seu tempo disse “Se você quer uma vida, aprenda…a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é.”
Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.
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