REDE GLOBO: A ESPETACULARIZAÇÃO DO MAL

Ontem tive que ir ao barbeiro! E lá não poderia desligar a TV ligada, obviamente, na Rede Globo num programa que, parece, se chama bem-estar. Há muito tempo não me via forçado a ter que ouvir esta rede golpista e de péssimo jornalismo. Mas não podia deixar de ouvir, claro que sem ver, o que se transmitia naquele programa e naquele horário. Em lugar do tal bem-estar, o que se produzia era um mal-estar. Repórter e âncora falavam da prisão de Eike Batista.

Em vez de uma notícia simples, tudo se transformou numa reportagem de longa duração! A repórter, no saguão do desembarque – não sei o que fazia lá, pois o preso havia saída por uma porta sozinho, imediatamente transportado por carro policial não identificável como tal… isto segundo o que saía da boca da repórter! Deve ter havido imagens porque falava que um repórter estava no avião para os efeitos desejados.

Pois queria a jornalista perguntar aos demais passageiros sobre a viagem, sobre como se sentiram sendo companheiros acidentais de um viajante tornado ilustre pela própria emissora em seus tempos áureos, de quem os mesmos jornalistas da mesma rede puxaram o saco à vontade.

A repórter estava inquieta: demoravam os passageiros procedentes de Nova York a saírem pelo portão… saiam passageiros procedentes de Miami e nada de aparecer um “entrevistável”. Mas a dita cuja não perdeu por esperar. Começaram a sair os viajantes desejados e imediatamente foram barrados pelos microfones da moça! E perguntava tanta besteira aos atônitos recém-chegados que somente faltou perguntar se Eike Batista mijou e cagou durante o voo. O desejável é que tivesse feito isso na cabeça da repórter e do âncora para ver se adubava o crescimento de alguma luz de inteligência! Não desculpo estes jornalistas por estarem cumprindo “ordens” superiores. Eles fazem isso com muito gosto, porque não sabem mais exercer a profissão de outro modo, somente sabem criar clima de espetáculo.

A Rede Globo presta um mau serviço de jornalismo. Tudo que sabe fazer é imitar seu próprio programa de reality show. A realidade noticiada se torna um espetáculo. E um espetáculo do mal (como as transas sob os edredons a que dão tanta importância para transformarem o que seria bom e amoroso em espetáculo degradante). Ela imita a si mesma.

Nenhum problema haver uma rede de televisão assim imbecilizante se o país tivesse outras alternativas e se o acesso aos bens culturais não fossem interditos à população!

Obviamente o mal maior, aquele do retorno para as classes D e E de mais de 15 milhões de famílias nos últimos dois anos, desde que se começou a aplicar a política econômica ditada pelo mais tacanho neoliberalismo, aquele dos colonizados. Sobre isso, nenhuma reportagem sobressaltada, nenhuma reação convincente, nenhuma espetacularização do escândalo!

Os espetáculos são aqueles que requerem a Lava Jato e o que eles mesmos chamam de filhotes da Lava Jato, para que o povo não esqueça o baluarte nacional do combate à corrupção dirigido por agentes que recebem por mês muito mais do que a lei diz ser o teto de remuneração de servidores públicos. Eles vão além com o que chamam “auxílios”, num verdadeiro locupletar-se com os recursos públicos para lutar contra estes mesmos atos praticados por aqueles que deveriam estar fora do clube.

A Rede Globo secunda isso tudo, dia e noite. Martela e cria uma consciência nacional de que este país é inviável, fazendo passar por verdadeira a velha piada de que Deus privilegiou nosso território com riquezas extraordinárias e com belezas incomparáveis, mas pôs  aqui “povinho” miseravelmente ladrão,  malandro, vagabundo, preguiçoso e outras coisas mais…

Esta imagem de si mesmo é tudo o que quer a cume da pirâmide social que nos caracteriza: o Brasil se torna inviável; a riqueza deve ficar com os que sabem dela usufruir e nada de pensar numa nação para todos os brasileiros. Fiquemos mesmo com a nação da ordem para todos e do progresso para alguns! Este o objetivo final da espetacularização do mal praticada pelo jornalismo da Globo e por seus jornalistas que que a isto se submetem com muito boa vontade, imbecilizando-se em suas perguntas como fez durante grande parte da manhã a repórter posta no saguão do desembarque internacional do Galeão no dia de ontem, tornado “o dia da prisão de Eike Batista” e nada mais.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.