RECADO, de Ferreira Gullar

Os dias, os canteiros,
deram agora para morrer como nos museus
em crepúsculos de convalescença e verniz
e ferrugem substituída ao pólen vivo.
São frutas de parafina
pintadas de amarelo e afinadas
na perspectiva de febre que mente a morte.
Ao responsável por isso,
quem quer que seja,
mando dizer que tenho um sexo
e um nome que é mais que um púcaro de fogo;
meu corpo multiplicado em fachos.
Às mortes que me preparam e me servem
na bandeja
sobrevivo,
que a minha eu mesmo a faço, sobre a carne da perna,
certo,
como abro as páginas de um livro
– e obrigo o tempo a ser verdade.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.