(Re)forma educacional (por Cristina Araújo)

A necessidade contínua de se fazer reformas educacionais cria um ciclo de constantes transformações, de modo que sempre que uma reforma for concluída haverá uma próxima a ser posta em curso. Muitas vezes, isso acontece antes mesmo de terminar a anterior, porque se trata de um processo lento que pretende alcançar todos os níveis escolares. E quando se fala em mudanças na educação, o objetivo recorrente é buscar um ensino de qualidade que contribua para a formação de cidadãos conscientes e responsáveis. 

No início do século 20, a Nova Escola já propunha uma série de princípios, dos quais muitos ainda são válidos para hoje. Entre eles, esperava-se que a escola preparasse para a vida, que estimulasse o fazer e não apenas o ler ou ouvir, e que seu cerne fosse a autonomia do aluno.  Mas, em que medida as escolas atuais aplicam essa série de princípios?

Um dos problemas sérios que encontramos nas escolas é que muitos estudantes aprendem pouco sobre como ser autônomos e, talvez por isso, sejam prejudicados na capacidade de aplicar o conhecimento adquirido na escola em situações concretas, em situações práticas, na vida.

Exercer-se com autonomia envolveria a capacidade de pensar, decidir e agir sem ser esmagado pelo peso da autoridade ou da tradição. Todavia, ser autônomo não consiste em agir ou pensar de forma independente dos outros, mas sim fazê-lo levando em consideração as opiniões dos outros para que, depois de avaliá-las, aceitá-las ou rejeitá-las, possa ser protagonista de transformações. Deste ponto de vista, é possível visualizar um aspecto primordial da autonomia: a autonomia intelectual que possibilita pensar sobre as coisas, tanto no âmbito conceitual quanto no histórico-social.

Nesse caso, os conteúdos escolares precisam ter como objetivo principal a vida como um todo, sobretudo o que afeta os indivíduos. No entanto, na educação escolar em geral, tenta-se transmitir aos alunos o corpo teórico que se julga necessário para a solução de problemas, quando sequer se falou de situações concretas que demandam reflexão. Isso faz com que os alunos vejam o conhecimento como algo morto, inerte e nada prático, cuja utilidade e aplicações não são claras. A única coisa que parece fazer sentido nesse tipo de conhecimento é realizar as avaliações, passar de ano e gerar um bom índice, para que pais, professores e governos estejam felizes com esse desempenho.

Ao escolhermos encorajar a formação de indivíduos autônomos e responsáveis, devemos pensar em empreender reformas educacionais que incluam a mudança da organização social da escola e a modificação das relações dentro dela. E para isso seria essencial obter a participação dos estudantes em deliberações da escola e da sala de aula, a fim de não torná-los apenas assistentes passivos. Nesse caso, muitas das decisões poderiam ser justificadas e discutidas entre todos, e não impostas de cima. Evidentemente, o modo e a gradação disso seriam definidos a partir de critérios contextuais, assim como a idade/maturidade dos alunos.

O que parece claro é que é impossível preparar os alunos para a vida democrática e autônoma numa escola em que a autoridade esteja exclusivamente a cargo dos gestores e professores, e que se requeira dos alunos somente a obediência às regras.

Outro aspecto de grande importância para a formação de indivíduos autônomos e responsáveis é a atenção dispensada aos conflitos que ocorrem dentro da escola, bem como os encaminhamentos para sua resolução.

Mas o que acontece com os conflitos que ocorrem diariamente nas escolas? O aluno que irrita seus colegas de classe, aquele que se comporta de maneira violenta, aquele que arranha o carro ao professor, aquele que rouba? São conflitos como esses que ocorrem todos os dias e que mobilizam/paralisam a escola. E o que geralmente acontece? 

A instituição escolar tem horror aos conflitos e o que se espera é que eles não se manifestam, nem que para isso seja preciso agir de maneira autoritária e escondê-los. 

Se os conflitos fazem parte da vida social, não faz sentido comportar-se como se eles não existissem. Muitas vezes eles não se manifestam em um determinado momento, mas surgem no recreio, nos corredores, no recesso, ou seja, quando os sujeitos saem da escola ou não estão sob os olhos da autoridade escolar. E o que fazer?

Ainda que nos falte muito para compreendermos os contornos de uma (re)forma educacional, penso que seria necessário prestar mais atenção aos conflitos sem tentar escondê-los, tornando-os explícitos e transformando-os em objeto de reflexão; fazendo do cotidiano escolar não apenas uma preparação para a vida, e sim, a própria vida.

Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.

Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.