Que os túmulos ensanguentados de Marielle e Anderson sirvam de bandeira

Com frequência tenho afirmado aqui que o golpe de 2016 nos trouxe uma ditadura em que se irmanaram judiciário-mídia com seu braço armado nas polícias do país. O judiciário se tornou um partido graças à ação da República de Curitiba, bem orientada de fora e bem alimentada com informações da espionagem. Ou alguém acredita que um doleiro do Paraná, por mais trocas e serviços que tenha prestado a todos os envolvidos com as comissões de contratos, conhecesse todo o esquema que supostamente denunciou? Ele apenas serviu para assinar as denúncias cujo teor os serventuários brasileiros da economia norte-americana já tinham em mãos.

Com o circo armado em Curitiba, com a imprensa hegemônica comprometida com o projeto da direita brasileira de um “estado mínimo” e sem qualquer força para que ela se locupletasse à vontade como fez quando ainda éramos uma colônia – e que voltamos a ser graças a esta mesma elite – neste circo os horrores da destruição da economia nacional, em nome do combate à corrupção e em defesa do fim do estado substituído pelo mercado, surgiu a necessidade do braço armado da polícia.

Enquanto os militares são treinados para defender o país, a polícia brasileira é treinada para matar e para achincalhar a população pobre e a cobrar suas propinas do crime, desde o jogo do bicho até o tráfico de armas e drogas. Se no passado isso se chamava “mineirar”, agora nem precisa esconder sob expressões metafóricas o que a polícia faz e desfaz a seu gosto, garantida pelo judiciário.

O assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes apenas expõe este o terror e o destemor do crime. O país se tornou um “campo de batalha” contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra todos que não rezem pela cartilha do mercado ou se ajoelhem diante do judiciário corrupto (porque corrupção também significa apodrecimento interno, e o sistema judiciário com suas sinecuras está podre, com hierarquias invertidas, os tribunais superiores obedecendo aos desejos de Sérgio Moro). O braço armado somente imitou o braço judicial e midiático: Dilma, com 53 milhões de votos, foi politicamente assassinada; Marielle, com 46 mil votos, foi fisicamente eliminada. Os professores de São Paulo foram achincalhados e feridos e corridos pela Guarda Municipal comandada pelo fantoche do mercado, um tal de Dória que dizem ser o prefeito da cidade.

O Brasil policial mostra sua cara. A rede Globo merece mais do que um clique no controle remoto, removendo-a do televisor. Está na hora deste grupo não só pagar os impostos que sonega descaradamente fazendo desaparecerem processos de forma escandalosa e filmada! Está na hora da população rebentar seu poderio. Empregando a força física, antes que a força ideológica deste conglomerado acabe com todos através da força policial que sustenta sob a paz dos cemitérios da conivência do sistema judiciário.

E enquanto tudo isso vai acontecendo, os senhores juízes entram em estado de greve em defesa do auxílio moradia!!! Quem, afinal, se locupleta com o dinheiro público? Os que cobraram comissões em contratos – coisa que sendo feita por privados, tem o nome de lobby e é legal – ou os juízes, procuradores e promotores com seus penduricalhos isentos de impostos? Auxílio creche??? Quem tem isso no mundo???

Que os corpos e os túmulos de Marielle Franco e Anderson Gomes sirvam de bandeira vermelha de sangue, já que as bandeiras partidárias desapareceram no vergonhoso silêncio e na inação de seus burocratas incapazes de liderar qualquer movimento em defesa da justiça e da nossa economia. Mais fácil um político petista assumir um ministério de Michel Temer do que o partido convocar a população para as ruas.

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.