Que os ossos dos miseráveis se tornem armas…

Leio em Fernando Brito uma estarrecedora declaração do professor Gilberto Maringoni:

Pouco importa se as mãos de quem dirigirá o país estiverem sujas de sangue, se há apologia de Brilhante Ustra, ou se há pregação misógina, homofóbica ou de ódio aos pobres. Isso é bobagem. Estamos falando de negócios.  E negócios são coisa séria!

(disponível em http://www.tijolaco.com.br/blog/o-mercado-quer-seu-selvagem-e-sonha-com-fadinha-jantavel/)

Trata-se de enunciador com trânsito pelo G1, queridinho do mercado, autor do Diário do Centro do Mundo (o umbigo dos ricos é o centro do mundo, obviamente). Tem emprego de professor de relações internacionais na Universidade do ABC paulista, criada por Lula, onde deve pregar de cadeira que salvos os negócios, o resto não interessa: miséria, desemprego, fome, mortalidade infantil, tortura, homofobia. Tudo é palatável desde que as coisas sérias, isto é, os negócios estejam a salvo e os lucros garantidos. Mas este mesmo “professor” há de defender a “escola sem partido”, porque o que ele prega não é partidário, é somente a defesa do interesse dos ricos, do dinheiro, a quem interessa muito o partido…

É impressionante como há gente que perdeu o sentido da vida e só enxerga balanços de bancos e de fundos de investimento. A economia, como se sabe, está em frangalhos. O capitalismo produtivo deu adeus à história e foi substituído pelo capitalismo improdutivo, da ciranda dos lucros e dos investimentos (investimentos na especulação, obviamente e jamais na produção). Sabem os neoliberais, inclusive o Sr. Gilberto Maringoni, que neste jogo guloso das rendas, acabam comendo por uma perna antes de tudo as finanças das nações (um dia começarão a comer o próprio rabo), nações que para satisfazer o monstro pensam que o remédio é vender patrimônio a torto e a direito.

Acontece que este patrimônio está na área da produção, e os investidores estão na bolsa, e somente na bolsa! Privatizada a empresa, sobe o valor das ações, etc. etc… mas nenhum centavo deste “valor de mercado”, cantado em prosa e verso por leitoas e leitões, vai para a empresa em si que logo, muito logo, fica sucateada por falta de investimentos… e aí gritam seus CEOs, é preciso que o estado, através do Tesouro, usando os mecanismos do BNDES ou de outros órgãos do governo (com isenções de impostos, como aquele presente dado ao Banco Itaú de 26 bi), financie as atividades para elas continuarem a existir: jogam com o emprego, com a sobrevivência de todos em função do abastecimento (lembremos o locaute recente das empresas de transporte); jogam com a mãe e o pai que juram enforcar. Jogam com tudo para garantir recursos públicos para o setor privado. E lá vêm os economistas, outros nem tanto, a defender a intervenção do estado nestas situações. Os mesmos que ontem defenderam a venda do patrimônio, o estado mínimo, etc…

Acontece que o estado mínimo deve ser para a patuleia; para os ricos o estado deve ser máximo! Qualquer um destes economistas hipócritas sabe que o estado foi “mãe dos ricos” na crise de 2007/2008, cujos efeitos ainda não se encerraram, e foi provocada pelos mesmos gestores (grandes economistas de mercado) que continuam lá procurando cavar outro buraco para carrear para seu Fundo, seu grupo, seu puta que o pariu, mais recursos públicos a custa da fome e da miséria.

E procuram algum ex-capitão, defensor da tortura, do estupro, homofóbico, etc. etc. para manter, abaixo de cassetete, a ordem pública, isto é, os filões abertos por onde fluem os lucros incessantes carreados para seus patrões por estes “capitães” do pensamento neoliberal, ao estilo do Dr. Gilberto Maringoni que desonra a atividade docente universitária ao usar diante de seu nome a palavra “Professor”.

A única esperança que resta é a profecia de D. Hélder Câmara: “um dia os miseráveis farão de seus ossos armas de combate”. Este dia já tarda para tristeza da geração que lutou contra a ditadura militar.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.