O que fariam e do que viveriam os milhares e milhões de policiais civis e militares, os milhões de advogados, especialistas em Direito Criminal, os milhares de juízes, promotores e procuradores da justiça, os milhões de funcionários concursados e especialistas em processos criminais, os milhões de guardas dos órgãos públicos, das instituições, das empresas, das organizações da sociedade civil, enfim, os milhões de vigias, se não houvesse tantos e tão cruéis criminosos? Os abusados, os espertos e reincidentes transgressores das leis de trânsito?
Há muitos anos, estou sendo tentado, dia e noite, a atualizar o escrito emblemático de Marx sobre o quanto os criminosos são produtivos para o capitalismo dos meados do século XIX.
Já tive – e continuo tendo – insônias terríveis, não por conta do escrito, mas por conta da necessidade de atualizá-lo à realidade do nosso sistema ultraneoliberal de produção e reprodução do capitalismo. E o que mais me mete medo e atormenta é o aumento absurdo da lucrativa indústria de criminosos e dos mecanismos públicos e privados de combate ao crime e aos criminosos. Quanto mais câmeras de vigilância e mais presos nas cadeias, mais criminosos.
Primeiramente, vamos ver um trecho do escrito de Marx.
“(…) o criminoso não produz apenas crimes, mas também o direito criminal e, com este, o professor que produz preleções do direito criminal e, além disso, o indefectível compêndio em que lança no mercado geral `mercadorias´, as suas conferências, Com isso aumenta a riqueza nacional, para não falarmos do gozo pessoal que, segundo testemunha idônea, Professor Roscher, os originais do compêndio proporcionaram ao próprio autor. O criminoso produz ainda toda a polícia e justiça criminal, beleguins, juízes e carrascos, jurados etc.; e todos aqueles diferentes ramos, que constituem tantas categoriais da divisão social do trabalho, desenvolvem capacidades diversas do espírito humano, criam novas necessidades e novos modos de satisfazê-las. Só a tortura suscitou as mais engenhosas invenções mecânicas e ocupou na produção de seus instrumentos muitos honrados artífices”.
Se não houvesse mais crimes e criminosos – ladrões, assaltantes, assassinos, estupradores, contrabandistas, drogados, políticos e empresários corruptos e corruptores, pedófilos, agiotas… – quantos e de que tamanho seriam os nossos Fóruns da Justiça pelo Brasil afora? Quantos juízes, promotores, desembargadores … ganhariam os supersalários e benefícios de marajás por conta do dinheiro público? Para cada criminoso – a cada crime que comete – são necessários dois ou mais advogados, um advogado para acusação e outro para defesa. Advogados que cobram fortunas – meio milhão, um milhão de reais para defender um criminoso rico…
Quanto ganham as montadoras de carros – superviaturas – ao vender para os serviços de segurança e combate ao crime – policiais federais e policias estaduais civis e militares, os guardas de trânsito, os vigias de escolas, as transportadoras de valores e tantas outras viaturas de segurança, as motos, as vans, os ônibus…?
Quanto não lucram as fábricas de radares – móveis e fixos – de câmeras eletrônicas de vigiar, de semáforos de trânsito, etc?
Agora, o governo atual não satisfeito com as privatizações das nossas riquezas naturais – petróleo, minérios, madeira… – está privatizando o sistema prisional – altamente produtivo para o capitalismo neoliberal. Quanto mais presos, mais lucro para o capitalismo, já que o preço cobrado será por cabeça (corpo) de presos. Privatizar as cadeias, os cárceres, as prisões… é altamente lucrativo para o capital.
Marx, muito atento e sensível à voracidade do capitalismo do seu tempo, escreveu.
O criminoso produz uma impressão com gradações morais e trágicas dependentes das circunstâncias, e assim presta um ´serviço` ao despertar os sentimentos morais e estético do público. Não só produz compêndio sobre direito criminal, códigos penais e portanto legisladores penais, mas também arte, literatura, romances e mesmo tragédias (…). O criminoso quebra a monotomia e a segurança cotidiana da vida burguesa. Por conseguinte preserva-a da estagnação e promove aquela tenção e turbulência inquietante, sem as quais se embotaria mesmo o aguilhão da concorrência. Estimula assim as forças produtivas. O crime retira do mercado de trabalho parte da população supérflua e por isso reduz a concorrência entre trabalhadores, impede, até certo ponto, a queda do salário abaixo do mínimo, enquanto a luta contra o crime absorve parte dessa população.
O criminoso aparece como uma daquelas ´compensações` naturais, que restabelecem um equilíbrio adequado e abre ampla perspectiva de ocupações ´úteis` (MARX,Karl.Teorias da mais-valia: História Crítica do Pensamento Econômico. Livro 4 de O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 382-3).
Quanto ganha – em audiência e dinheiro – a mídia ao espetacularizar as tragédias, os horrores, ao real, ao vivo, dos crimes?
Por conta disso, fica a dúvida: será de interesse para o modelo atual do capital acabar com os criminosos? Ou seja, educar e formar todas as crianças, todos os adolescentes e todos os jovens como seres humanos em cidadãos trabalhadores, honestos, cumpridores das leis, dos princípios éticos, morais, é de interesse real e verdadeiro dos nossos governantes, políticos, elites do capital…? Ou, é de interesse e intenção acabar de vez com os políticos e empresários corruptos?
Quem responde? Com sinceridade.
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
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