Qual será o aumento dos deuses, travestidos de juízes, se os arcanjos, travestidos de procuradores, estão pleiteando 16%?

 

O tema sequer mereceria uma crônica! Em tempos difíceis, sabe-se que os sacrifícios devem ser suportados por aqueles que estão na base da pirâmide social, jamais aqueles que estão no topo das rendas e salários. Então, assim como o aumento de 43% para os servidores do Judiciário, negociado em 2016 por Ricardo Lewandowski antes de presidir a sessão de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o aumento de 16% para os procuradores não deveria ocupar um cronista provinciano. Afinal, eles têm uma renda baixa, em média 46 mil reais sem contar férias e 13º. salário. E. obviamente, sem contar as férias que sempre têm para vender já que uma coisa é recesso e outra coisa é registrar oficialmente que se está em férias. Por isso juízes e procuradores sempre têm férias para vender… e aumentar seus saques.

Assim, este aumento para 2018, aprovado ontem pelo órgão máximo do Ministério Público Federal, não deve nos preocupar. E ele será referendado pelo Congresso Nacional, afinal este deixou de ser um órgão deliberativo e legislativo, para se tornar um cartório que carimba o “de acordo” para tudo o que vier do Executivo e tudo, mas tudo mesmo, que vier da Justiça.

Na verdade, o que me chamou atenção para o assunto foi o fato de a TV da minha casa estar ligada num programa que chama “Em Pauta”, da GloboNews! Há muito tempo que não me ponho sentado no sofá com a TV ligada. Somente faço isso para ver filmes, e vejo-os todas as noites.

Mas ontem me aconteceu este fato fora da rotina: ouvi comentários de notícias… entrava um de cá, outro de lá. Um tal de Camarotti, ao que tudo indica um comentarista de renome e de respeito, tece suas considerações todo cheio de dedos… Hilariante. Começa por incensar os procuradores, seu trabalho forçado, sua importância etc. etc.; depois levanta a questão da situação econômica difícil por que passa o país, para depois dizer que, diante das dificuldades de recursos, a sociedade brasileira deve discutir suas prioridades, definir criteriosamente onde aplicar, e coisas do gênero. Termina dizendo que a proposta do Ministério Público depende da aprovação do Congresso!!!

Simplesmente cômico: não podem os comentaristas dizer explicitamente que são contra tal aumento abusivo para os procuradores, diante de uma inflação baixa – e ela baixou porque não há demanda porque não há renda. Nenhum comentarista se atreveu a dizer qual a média nacional de salário dos procuradores… seria esperar um exagero.

Sabem os comentaristas que procuradores são, em grande parte, extremamente vingativos. E cheios de convicção. E a convicção de um procurador pode tornar qualquer um criminoso. Por outro lado, os comentaristas não deixaram de construir sua crítica implícita ao “pleito” da categoria.  Assim, não estão a salvo de mais adiante receberem uma notificação qualquer para prestar esclarecimentos sobre qualquer coisa de sua vida privada ou pública. Ninguém deixou de, num dia qualquer, exagerar na dose – da bebida, da cantada, da caminhada, da velocidade, da respiração ofegante, do cigarro, da piada ou seja lá o que for. Num estado em que o Direito e a Lei se confundem com a convicção dos procuradores e dos juízes, nisso que se convencionou chamar de Ditadura do Judiciário, qualquer coisa pode virar crime. E a convicção de que é crime pode resultar simplesmente do desagrado pelo comentário. Assim, estejamos todos preparados! A chegada de seu Juízo Final pode ser em qualquer dia, como ensinava o catecismo do passado e está ensinando a situação presente da ditadura do judiciário.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.