Proust, de William Sansom

Esta biografia de Marcel Proust, publicada originalmente em 1986, foi traduzida por Isabel do Prado, para a coleção Vidas Literárias de Jorge Zahar Editor (publicação brasileira s/data).

Todos sabemos em “Em busca do tempo perdido”, esta obra prima da literatura, contém muito de autobiográfico e que inúmeras personagens deste retorno a um passado perdido foram montadas com base em pessoas com que o autor conviveu.

A vantagem esta biografia é fazer precisamente esta correlação entre o que viveu Marcel Proust e as personagens de seu romance. De modo que acompanhamos ao mesmo tempo a vida nos salões pelos quais passou Proust, somos apresentados às pessoas de seu círculo e de seu tempo, e logo o autor da biografia faz correlação com um dos volumes da obra máxima do biografado.

Há um ponto de vista defendido: Proust era um excluído, quer por não ser da ‘casta’ aristocrática dos salões, quer por sua origem judaica – ainda que endinheirado – quer por sua homossexualidade. Ser aceito, ser recebido pelos salões de fim de século produziu esta impressão de esnobismo: sua persistência em alcançar as mais altas rodas da Sociedade – “embora, na verdade, esses círculos não fossem mais tão rigorosamente exclusivos como ele os retrata; a Alta Roda, ano a ano, se tornava mais complacente”.

Daí uma idealização desta Sociedade, um tempo perdido que se deveria buscar. Por isso também Proust sempre preferiu o passado. Num fim de século que começava a ver circularem cada vez mais automóveis, em que a energia elétrica chegava às casas, em que aeroplanos sobrevoavam os ares, “alguns respiravam de alívio, e outros viviam na expectativa”. Havia um futuro a desvendar; ao invés de se aproximar deste futuro, Proust retorna ao passado, constrói uma Sociedade idealizada de salões, de festas, e de tipos humanos que ficarão para sempre na história: eis sua grandeza. Ao buscar o passado, criou Albertine, o Barão de Charlus…  e se projetou para o futuro. É verdade que “Não é possível julgar com certeza o que um autor coloca de si mesmo num livro, mesmo quando ele próprio o confirma, pois não sabe o que faz inconscientemente”.  Em suas obras, Proust colocou sua experiência condensada em ficção. Se o tempo roubou a velha realidade, ela lhe sobrevive como memória, como lembrança: “Em todas as esferas da vida, o encanto, na verdade, transforma-se em desencanto. Só a lembrança, e só a lembrança preservada na arte, se salva”.

Segundo o biógrafo

Na sua busca para desvendar o mistério do Tempo, Proust joga com as mágicas convicções que a maioria das pessoas conhece: a certeza prazeirosamente concebida de que todo o passado é dourado, ou que todos os verões de antigamente eram sempre ensolarados e a misteriosa desconfiança de que um jardim secreto foi avistado um dia, e nunca mais foi reencontrado, e essa sensação estranhamente satisfatória do “já-estive-aqui-antes”, quando nos encontramos num lugar nunca anteriormente visitado; e toda a nostalgia do som resumida numa frase: “como é potente a atração da musica”.

Proust reconstruiu um tempo desejado fixo, e descobre ao construir que nada é fixo, que as pessoas mudam constantemente, que as paisagens se tornam outras, que os espaços vão sendo ocupados de formas distintas. Ao se perguntar sobre o sentido da vida, ele nos faz também nos percebermos outros a cada vez que nos perguntamos. E que somente uma fixação livre pode existir: o passado lembrado registrado como arte. E estando aí, registrado, sua imobilidade se move continuamente a cada leitura e para cada leitor.

Referência. William Sansom. Proust. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, s/data (original de 1986)  

 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.