Pôr a boca no trombone, a arma do galinheiro

Pobre galo: suas armas são infinitamente menores do que aquelas que usam os que atacam o galinheiro. Tem esporas, mas lutar com elas faz com que se aproxime do inimigo. Resta-lhe o canto de alerta. Mas o canto não incomoda as raposas, velhas ou novas. Elas seguem atacando. As galinhas cacarejam, buscam segurança nos poleiros. Nada adianta quando o ataque foi decidido.

Restam aos pobres galináceos apenas uma segurança: a prisão no galinheiro, com cercas altas, fortes, enterradas até ao fundo para que nenhum buraco possa ser aberto pelos atacantes.

Os atacantes abrem fogo de outro modo: permanecem ali, constantes, para produzir o medo, para impor terror, para cansar e fazer desmaiarem galos e galinhas. Usam a estratégia como se fosse uma metralhadora que atira para todos os lados, de modo que para qualquer lado que se olhe, lá está o inimigo de olho aberto, aparentemente aloucado, boca aberta, babando ódio e fome de carnes e sangues.

Usam do modo de fazer dos gatos e gambás: estes ficam batendo na cerca, fazendo com que as aves presas voem até à exaustão. E morram. O gambá ou o gato enfia a pata, puxa a presa já morta e saboreia os resultados.

As raposas compartilham não só estas técnicas de caça e morte: com gambás compartilham o fedor; com os gatos, a dissimulação. Teriam as raposas a esperteza de dissimular, criando ataques falsos – sem estarem com fome – apenas para esconder alguma fraqueza outra, conhecida, mas não investigada?

Que táticas sobram aos pobres sitiados? Sem o poder da caneta e da metralhadora, lhes restam saídas sutis: espalham por todos os cantos as ameaças constantes, porque sabem: elas apenas são cortinas de fumaça com que encobrir outros malfeitos das raposas.

Também sabem: os corvos sobrevoam o galinheiro. As raposas temem os corvos. Principalmente temem corvos togados e estogados. As raposas sabem que nada são perto dos corvos, buscam um alinhamento, uma amizade, um compadrio…

Mas corvo é corvo. Esquece acordos. E como tem forças à disposição, os corvos acabam por impor suas vontades, ainda que precisem usar de golpes sujos, como entregar a um corvo vingativo e assassino o controle dos movimentos gerais dos bichos.

As raposas acabam, sempre, pondo o rabo entre as pernas e fugindo para suas tocas donde saíram a chamado dos pios das corujas embotadas, dos gorjeios dos pássaros amarelos e dos urros dos abocanhadores escondidos em seus ninhos de arranha-céus.

Num mundo deste tamanho de bichos brabos e sedentos de sangue e carregados de ódio violento, a intimidação tem seus efeitos. Mas há galos e galinhas: continuam a por a boca no trombone. E quando o alarido se torna insuportável, de ensurdecer, os corvos vão para outros pomares; as raposas correm para outros campos; os gambás fogem fedendo e os gatos… bom, estes continuam sempre dissimulando.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.