Poderíamos ter ficado sem essa, Ciro Gomes

Que me desculpem os entusiastas de Ciro Gomes. O vídeo que acabou postando, atendendo na verdade a pedido de Carlos Lupi, presidente do PDT, ao pedir que todos votem “compreendendo a necessidade de votar com a democracia, contra a intolerância, votar pelo pluralismo”, e ao mesmo tempo ressaltando que ninguém deve votar contra suas convicções e ideologias, é um desserviço à democracia.

Parece que se tornou moda agir à Dias Toffoli: dizer coisas vagas para que se registre que algo disse, quando na verdade destes sujeitos se esperaria mais do que meras defesas de ideais que todos compartilhamos. Fernando Henrique Cardoso ao menos não nos deu o desprazer de um vídeo. Mas Ciro Gomes, alinhado a seu irmão Cid Gomes, nos deu este desprazer de não ouvirmos o que todos esperavam – e quem não deveria esperar que um político do partido fundado por Brizola tomasse partido e se engajasse na luta contra o fascismo? Ele diz que não tomou um lado e nem se engajou na campanha pela democracia!!! E não o fez porque “não quero fazer isso por uma razão muito prática que não quero dizer agora. Se não posso ajudar, não quero atrapalhar”.

Pois o grande líder, que na segunda-feira quer assumir a liderança de um grande movimento em defesa da democracia, presta neste momento um grande desserviço à democracia, apesar das palavras bonitas que usou ao estilo dos que ficam no muro. Ao dizer que seu engajamento se deve a uma “razão muito prática” que não explicita, o Sr. Ciro Gomes, ainda que amanhã vá votar em Haddad (pessoalmente, ouvindo sua declaração, penso que votará em branco), ao remeter a uma razão não explicitada abre espaço para que os seus ouvintes preencham este vazio semântico com o que quiserem.

Sua declaração, nesta passagem e nos termos em que está, pode inclusive ser usada pela campanha de Jair Bolsonaro.

Terá o Sr. Ciro Gomes capacidade para liderar, a partir de segunda-feira, um movimento democrático para este tempo de horror que ele mesmo está ajudando a construir?

Ele poderia ter sido o vice na chapa que seria Lula/Ciro. Aliás, quem tentou costurar esta chapa foi Haddad. Ele recusou o convite. Ora, qualquer sujeito levianamente informado sabia que o Judiciário não permitiria a candidatura de Lula, e Ciro teria sido o candidato com, provavelmente, Haddad ou outro de vice. Mas ele não quis se aliar ao campo de esquerda. Pelo contrário, passou a namorar com a direita. Afinal, ele foi deputado estadual no Ceará, antes da redemocratização. Imaginem de que partido…

Aqui mesmo escrevi dois textos sobre as andanças à direita de Ciro Gomes. Penso que esta fala gravada, postada, somente demonstra o que sempre foi: rancoroso com a esquerda, amável com a direita.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.