Para encontrar o azul eu uso pássaros

Este livro de Manoel de Barros sobre o seu Pantanal é um livro para ver e para ler. Edição bilíngue (português e inglês, 1ª. edição em 1999), tornada possível graças a Enersul e a Petrobras Gás S.A., com as fotos de Asa Roy e Osmar Onofre, abre com uma sequência de seis páginas em que as personagens principais são um Tuiuiú, a ave símbolo do Pantanal, já na sexta página acompanhado por um colhereiro. São aves de tirar o fôlego; são fotos de ficar olhando o pássaro sobre o branco e depois sobre o azul.

O “Pré-texto” com que Manoel abre o livro, ao mesmo tempo que diz não querer cantar a exuberância do Pantanal, faz precisamente isso: louva ao dizer que não quer que suas palavras “caiam em louvamentos”. E nos diz:

Quisera apenas dar sentido literário

aos pássaros, ao sol, às águas e aos seres.

Um desafio: glosar esta obra exuberante de Deus. E confessa: para botar em prova minha linguagem.

Como sempre, o poeta nos encanta na entrada e nos conduz por poemas (extraídos de outras obras, mas também com poemas originais que acompanham como “legenda” as fotografias) a nos prepararmos para a surpresa do exuberante que virá na forma das fotografias “legendadas” por versos. Antes destas páginas, para não perder este introito:

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das

frases, mas a doença delas.

Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.

Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.

– Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.

Ele fez um limpamento em meus receios.

O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas…

E se riu.

Você não é de bugre? – ele continuou.

Que sim, eu respondi.

Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas –

Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.

Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

Esse Padre Ezequiel foi meu primeiro professor de agramática.

 

Neste mundo de águas vegetação bichos – num céu azul – em ao cair da tarde podemos observar “algaravias de pássaros” como num passeio conjunto definiu Jorge Larrosa. As “nuvens” de tuiuiús cobrem o sol… e nos deixam na sombra de suas asas.

Voltemos a alguns poemas de curtos de Manoel de Barros:

Uma luz que vegeta na roupa dos pássaros.

Na falta dos passarinhos há restumes

de sol

e de azul.

 

 Uma árvore bem gorjeada

em poucos segundos

passa a fazer parte

dos pássaros que a gorjeiam.

 

 

Ah borboleta desaberta

rm forma de pássaro!

 

Um dom de ser bromélia

me arrepia

e me consagra.

 

 

 

Como se uma flor de carne

desabrochasse na escura vegetação.

 

 

 

Na Grande Enciclopédia Delta Larousse, vou buscar uma definição de pantaneiro. “Diz-se de, ou aquele que trabalha pouco, passando o tempo a conversar”.

“Passando o tempo a conversar” pode ser que se ajuste a um lado da verdade; não sendo inteira verdade. “Trabalho pouco”, vírgula!

Natureza do trabalho determina muito. Pois sendo a lida nossa de a cavalo, é sempre um destampo de boca. Sempre um desafiar. Um porfiar inerente…

 

Manoel de Barros dedica este livro a Bernardo da Mata (um ser cuja palavra amplia o silencio) e termina com um poema que fala de Bernardo:

Bernardo é quase árvore.

Silêncio dele é tão alto que os passarinhos

ouvem de longe.

E vêm pousar em seu ombro.

Seu olho renova as tardes.

Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:

1 abridor de amanhecer

1 prego de fargalha

1 encolhedor de rios – e

1 esticador de horizontes.

(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios

de teias de aranha.

A coisa fica bem esticada.)

Bernardo desregula a natureza:

Seu olho aumenta o poente.

(Pode um homem enriquecer a

natureza com sua incompletude?)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.