Para aqueles que apostaram, nada é inacreditável

Ontem vijava do sul retornando a Campinas. Ouvi Ney Matogrosso, e uns versos de Cazuza me fizeram ver. Torne o país inteiro um puteiro para ganhar mais dinheiro cantava o Ney mais ou menos assim… E eis que nada se tornou incraditável: o puteiro aí está para ganhar dinheiro com desvios. Até a narrativa elaborada pela PF é crível: de que de dentro do Gabinete Civil elaborou-se ou entrou-se num esquema de desvio de recursos para a manutenção das despesas partidárias necessárias à manutenção da governabilidade e da manutenção no poder. 

Graças a esta tal governabilidade, resta sempre a dúvida: o esquema foi elaborado por Dirceus e e outros mais graúdos ou menos graúdos, ou existia um esquema de governabilidade dentro do qual se entrou para governar e manter-se governando? Resta a dúvida. Mas sobre isso, resta o silêncio tanto da imprensa investigativa quanto das investigações policiais. Nada se diz a respeito de antanho. A corrupção foi inventada há 12 anos, por Lula e seus seguidores.

Nos começos do governo petista, encontrei no aeroporto o colega que nos idos de 1980 recolhia nossas parcas contribuições para pagar o aluguel do partido em São Paulo. Manifesto-lhe minha surpresa por ele não estar em nenhum cargo no MEC ou até mesmo no Conselho Nacional de Educação (aliás, quem está neste Conselho?). Falo-lhe que estranhava não ver qualquer dos intelectuais em cargos no governo (com exceção talvez de Marco Aurélio Garcia). Recebi a resposta com base no tal raciocínio da governabilidade: “Eu não tenho votos na Câmara nem no Senado, logo não posso ocupar cargo. Os cargos são para quem tem voto…”. Talvez esteja aí a razão para a ignorância de nomes como Marilena Chauí, NIlda Alves, Regina Leite Garcia, Magda Soares, etc. etc.  que pensávamos aqueles inocentes que apostaram, como eu, numa mudança.

Bem me lembrou, depois de deixar de ser ministro, o amigo Olívio Dutra. “Lembra o que os padres nos ensinaram… são as más companhias… ” A governabilidade é somente má companhia? Ou o projeto de poder realmente corrompeu aqueles que queriam mudanças na política brasileira?

Obviamente, com “as más companhias”, perdeu o partido muitas outras companhias… Outro amigo que permaneceu filiado me disse em certa ocasião: É preciso continuar para ficar com o que sobrar do partido depois de ele sair do governo e todos forem presos… Será crível isso?

Que resta àqueles que inocentemente apostaram? A alegria de ter visto 30 milhões de miseráveis terem o que comer! Esta é a única alegria que nos sobrou, uma alegria quilométrica mas absolutamente insuficiente para continuar apostando. O que virá depois deles, serão elles, aqueles que gozam das benesses do poder e sabem como usufrui-las sem causar escândalos. Como gatos: permanecem afáveis depois do bote, com olhos lânguidos e biquinhos longos. 

 

 

 

 

 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.