O texto de hoje podia ser um texto sobre muitas coisas, na verdade é um texto sobre muitas coisas. É sobre desilusão e ilusão. Não quero falar algo sobre o que já foi dito repetidamente: que as pessoas estão fingindo não entender a gravidade do momento e que isso implica na morte de outras pessoas, a minha e de minha família.
O momento político que atravessamos não permite profundas reflexões uma vez que o tempo é escasso. Não há tempo de retomar a sensibilidade dos insensíveis, sei disso porque há muito tenho tentado. Já falei algumas vezes sobre a limpeza étnica da juventude, sobre a morte de mulheres, sobre a intolerância das diversas manifestações de fé, sobre a marginalização do diferente, sobre a cultura do indivíduo se sobrepor ao coletivo.
Talvez o rapper Mano Brown esteja certo e tenhamos perdido nossa capacidade de dialogar com as pessoas simples, mesmo sendo uma delas: Eu, mulher, negra, periférica, pobre. Assisto assustada essa declaração de que as pessoas não entendem oque significa a morte, a tortura, a limpeza, a mudança da lei, a prisão, a ponta da praia. Enfim compreendo que a verdade é que há muito tempo pobres e miseráveis gritam cotidianamente para pedir socorro, e suas vozes também não nos alcançam. É tudo mais do mesmo, perdemos a nossa capacidade de sentir a dor alheia, de nos importar com futuro do outro, uns mais e outros menos.
Ainda acredito que as pessoas sobretudo as mais simples serão mais responsáveis e reconduzirão a democracia ao seu posto, minha crença é na dor: das mães que já perderam seus filhos, dos pais que já tiveram suas filhas violentadas, espacadas, diminuídas e mortas, das mulheres impedidas sonhar, oprimidas, caladas, dos jovens marginalizados sem estudo e emprego, das avós que cuidam dos seus netos com seus terços e rosários desfiados diuturnamente para que voltem para casa a salvo dos riscos e eugenistas, dos pastores e padres que vem nos olhos de seus irmãos e filhos a fome, a morte.
Falar com essas pessoas é antes de tudo ouvir, saber de seus prantos, suas amarguras, seus sonhos desfeitos, cada ruga cada olheira, cada calo, cada silenciamento. Não é possível falar de amor sem antes ter amado, tocar essas pessoas.Como querer que nossa dor e medo fossem maiores do que a dor e o medo dessas pessoas.
O medo simples de não ter o que comer amanhã, da incerteza de ver o filho gay voltar vivo para casa, de perder o ônibus e ser estuprada nas ruas escuras, de morrer de bala perdida ou mesmo de bala encontrada nas emboscadas, de não ter atendimento médico decente a tempo salvar a vida de seu ente querido, de não ter a escola para o seu filho, de se machucar e não poder trabalhar, e voltar para casa sem o dinheiro do gás, o brinquedo nos dias das crianças, ter negada a dignidade de dar um rolezinho no shopping, ter sua casa invadida por assaltantes, ter seus bens subtraídos e a vida posta em risco, ou ainda dos que querem a terra para plantar, a água para beber, casa para morar, filhos para educar e não ter.
Quem falou a língua deste povo alcançando os seus corações, sabedor de suas dores porque já as experienciou, está preso. Todos sabem o porquê e fingimos que não, que são outros os motivos. Enterram noticias odiosas todos os dias, ainda assim as pessoas sonham. Porque a linguagem particular, esse dialeto não aceita ruídos externos.
E da boca do impostor saem às verdades que os insensíveis querem ouvir: que nós os vermelhos somos vagabundos, marginais, que devemos ser banidos. É preciso garantir prisão, morte, terror, tortura, chicote, aos que ousarem alimentar os famintos, proteger os vulneráveis, abraçar os desvalidos, caminhar entre os seus.
O povo brasileiro é realmente maravilhoso, e generoso. Nossa derrota não chegará, estaremos firmes e fortes, resistentes como sempre.
O texto é curtinho porque é um texto complementar, o principal é que desejo uma boa eleição para todos nós e não deixe de acreditar, lembrem-se que cada voto precisa ser conquistado, mas antes disso as pessoas precisam ser tocadas por nós, sabe aquele vizinho amargo, sabe aquela parente que foi assaltada, sabe aquele tio que vira a cara para sua filha gay, sabe aquele religioso que sempre quis te levar pra igreja, sabe aquela mulher solitária que ninguém da família visita, sabe aquele homem que está sempre alcoolizado depois que perdeu o emprego, esses e tantos outros, todos carregam dores próprias, ninguém tem que priorizar as nossas dores, conversemos e peçamos os votos pensando nas dores que eles carregam em suas vidas. É preciso mesmo escutar.
Ouvir e estar entre as gentes. Eu espero ter dialogado com quem me permite entrar minimamente na sua vida, e por isso peço voto em quem voto: Haddad13!
#Lulalivre
Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.
Mara Emília, que palavras lindas, profundas, em um momento de instabilidade, medo…
Parabéns e que votemos 13 em prol de avançarmos para uma dignidade humana a todos!!!!