Os tempos que virão com lutas ampliadas

Sei que estou sendo pessimista, mas não acredito que o Senado Federal venha a analisar o processo de impeachment com base na lei, sob o ponto de vista jurídico. A questão será, como na Câmara, levada adiante por ódios e baixezas políticas. Observem-se, por exemplo, a possíveis razões para um senador como Cristovam Buarque votar a favor do impeachment: uma vingança contra Lula que o demitiu, descortesmente diga-se em alto tom, do Ministério da Educação? Uma arraigada e desconhecida ancestralidade elitista? Uma concepção nova de sociedade educada, aquela que não aceitará jamais a maioria, mas somente a minoria qualificada pelos sistemas escolares? Novos compromissos partidários não são, porque seu partido atual, o PDT, não fechou questão a favor do impeachment. Uma compreensão jurídica dos fatos, contra a maioria absoluta dos juristas? Um desejo de projeção futura (a presidência, talvez) passando por cima da repercussão internacional do golpe orquestrado e musicado por Eduardo Cunha, mas regido pelo ressabiado com as urnas Aécio Neves? Enfim, são tão múltiplas as possibilidades que um senador pode apresentar para aderir ao golpe, que já sabemos haverá no futuro próximo: Temer será presidente e Mentes prestará o serviço de pedir vistas ao processo que o PSDB inadvertidamente fez andar na maquinaria do judiciário pedindo a cassação da chapa Dilma/Temer. Mentes só entregará o processo quando terminar o tenebroso tempo de Temer. E então, brigadeiramente, o processo será arquivado.

Assim, já podemos começar a raciocinar sobre os tempos que virão, torcendo para que não haja um golpe dentro do golpe, motivado por interesses mais retrógrados como aqueles representados pela bancada evangélica, pela bancada da bala, com Jair Bolso-naro (ele desembolso 20 milhões para comprar dois imóveis recentemente, portanto tem bolso bom) e pela bancada ruralista.

Nesse tempo que virá, o que teremos? Transcrevo aqui um diálogo mantido com Sebastião Santarrosa, um líder sindical da APP-Sindicato – Associação dos Professores do Paraná. Conversávamos sobre o futuro próximo, que nos aguarda com ansiedade:

– Wanderley – A amplitude da luta vai aumentar. Temo que novamente tenhamos muito tempo pela frente até chegar ao que chegamos no passado, com as manifestações das diretas-já. Eles têm hoje mais de 60% da população, logo após definido o golpe no Senado, aumentarão para uns 80% particularmente se o Temer também for afastado e o Eduardo Cunha… E o pior é que precisam ser afastados! Nós da esquerda lhes faremos este favor, e aí eles ficam com o queijo e a faca na mão para cortarem à vontade! Até o povo se dar contar, levará muito tempo, como já levou no passado… Infelizmente. Talvez tenhamos mais sorte face à existência da internet, que poderá ser o lugar da denúncia dos crimes que cometerão. Não sei! A conferir.

– Sebastião – Por favor, escreva um artigo em seu blog desenvolvendo esse raciocínio… Abraços. As possibilidades de participação hoje são diferentes. Há mais espaço para denúncia e existem coletivos mais fortalecidos. Acredito que temos mais força de resistência e mais qualidade crítica. Quem está na resistência conhece melhor as armas do inimigo. Embora enfraquecidos, não estamos mortos. É imbecilidade apostar no quanto pior melhor, mas a violência desse momento pode fortalecer as bases de esquerda, um tanto quanto entorpecidas pela tentativa de conciliação de classes… Abraços.

Um dia após a este diálogo, ocorre a intervenção da Polícia Militar de São Paulo suspendendo a aula pública na UNINOVE, promovida pelos estudantes e proferida pelo Prof. Reginaldo Nasser, da PUC-SP. A PM quer ver as carteiras de identidades de alunos e do professor. Isto não é uma prática da rotina policial. Num estado democrático, com cidadania, a polícia somente pode pedir documentos de uma pessoa se ela estiver fazendo algo contrário à lei. Ministrar publicamente uma aula, ou ouvir uma aula pública é algo contrário à lei? Não é.

E o que nos ensinou este episódio? Que imediatamente, ainda enquanto os policiais pediam as identidades dos estudantes, já estávamos vendo a ação policial em vários lugares do Brasil e muitos professores do exterior já estavam assistindo esta calamidade antidemocrática típica da PM paulista.

As possibilidades hoje oferecidas pela tecnologia, com filmagens possíveis com um simples celular, com postagem imediata nas redes sociais, tornarão a luta que virá em defesa da democracia e da justiça muito mais leve do que foi aquela que enfrentamos, quando jovens, nos idos de 1964 e particularmente no pós-dezembro de 1968 (AI-5).

Mesmo que na opinião publicada pela grande imprensa ou pelo PIG – Partido da Imprensa Golpista,  como gostamos de chamar – se encontre uma unanimidade, as vozes dissonantes farão repercutir suas compreensões por outros espaços. Talvez isso ajude a que o período republicano antidemocrático dure menos do que o último em que se espelha.

Nossa tradição republicana é da existência de períodos de democracia formal com períodos de ditadura (civil, militar e agora policialesca e jurídica). Mais ou menos nos seguintes períodos, com datas a serem melhor ajustadas – 1889-1903: militares; 1903-1930: democracia formal, a velha república; 1930-1945: ditadura civil de Getúlio Vargas; 1945-1964: democracia formal; 1964-1985: ditadura militar; 1985-2016: democracia formal; 2016-??: ??? regime totalitário policial-jurídico? Como o chamarão no grande tempo da história??? Se viermos a saber, então a tecnologia terá ajudado a encurtar os tempos sombrios; se não viermos a saber…

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.