OS PAPAGAIOS DE PIRATAS

Que mundo é esse o nosso mundo? Como é o mundo real do qual – satisfeitos ou indignados – fazemos parte? Ítalo Calvino, ainda em 1985, falou e escreveu que vivíanos num mundo da imagem visiva. E já naqueles tempos a composição e a arquitetura das imagens do mundo – no mundo da imagem – se fazia pela força e glória da tecnologia eletrônica, então em alucinado desenvolvimento e expansão. Estava-se instituindo o novo império da imagem. Na mesma perspectiva de Calvino, Otávio Ianni, já no final do século XX, viu o mundo sob o domínio da virtù do “príncipe eletrônico”. Este, o príncipe eletrônico superou, aniquilou o “moderno príncipe” – o partido político – inventado por Antônio Gramsci nos anos 20, que, por sua vez, tinha superado o “príncipe de Maquiavel”, este, o líder, dotado da virtù para governar absoluto.

Agora, com o príncipe eletrônico, instalou-se um novo império, segundo o qual estabeleceu-se a unificação das diversas esferas da sociedade civil e do estado, em especial das forças rentistas, midiáticas, industriais, comerciais e políticas – novo império com arquitetura encenada para os holofotes midiáticos eletrônicos. A imagem continua prevalecendo soberana, mas não a imagem real, e sim a imagem estetizada e espetacularizada pela arquitetura do príncipe eletrônico, exibindo cenas de vitória, gloria e tragédias naturais e humanas. Os protagonistas, os personagens e os atores sempre vestidos, “fetichizados” e “fantasmagorizados”  de acordo com os princípios e valores estéticos da ideologia dominante.

Assim, neste novo mundo da imagem eletrônica virtual, inventada e construída por meio da manipulação e do domínio das tecnologias eletrônicas, as classes dominantes impõem a ideologia do consumo como condição para o desenvolvimento e o progresso; a ideologia da publicidade e propaganda como estratégia da conquista e manutenção da hegemonia consentida; a ideologia do espetáculo e do entretenimento como estratégias para impedir e destruir as consciências das classes subalternas.

Por conta destas estratégias na correlação de forças na luta pela hegemonia, assistimos diuturnamente, martelando todos os dias, imagens cinematográficas de políticos que se postam diante dos holofotes e das câmeras para serem vistos pelos telespectadores. Quem não se lembra – e não tem nojo – do Cunha andando pelos vastos corredores do Congresso Nacional, nos finais de tarde, após o término das sessões do impeachment da Dilma, ele no centro e dezenas de deputados enfileirados esteticamente a meio passo atrás do Cunha, mas muito próximos, um quase encostando a cabeça nas orelhas do protagonista e parando automaticamente e ao mesmo tempo diante das dezenas de holofotes? Aqui, sim, tivemos uma cena de autênticos “papagaios de piratas”. A analogia é válida, porém com uma diferença cabal: os papagaios, postados um em cada ombro do pirata, eram belos, multicoloridos, alegres e tagarelavam palavras humanas, encantando o próprio pirata e os seus espectadores. A cena do Cunha e seus papagaios era encenação falsa, hipócrita, nojenta, feia… Aliás, temos cenas de “papagaios de piratas” com Temer, Maia, Jucá, Dória (vestido de gari), Pezão, Bolsonaro e outros piratas do Estado Brasileiro.

A pergunta final é: até quando esses caras vão continuar exibindo suas cabeças deformadas, postadas na altura dos ombros dos protagonistas políticos que sustentam o governo golpista? E nós, o que podemos e devemos fazer?

 

* José Kuiava escreve neste blog às quartas-feiras.

José Kuiava Contributor

Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.