OS MONSTROS E OS HERÓIS Bolsonaro vs Lula; Witzel vs Gabrigol; Carluxo vs Marielle

Uma das razões para este blog ter o nome “Passagens” era a ideia de publicar aqui trechos, parágrafos, extratos, ou o que seja, extraídos de leituras. Com o tempo, começaram a aparecer sessões: poesias (aos domingos) e registros de leituras (aos sábados). Alguns textos de estudos meus, uma sessão a que chamava “Textos de arquivo” apareceram às sextas-feiras enquanto tive forças para digitar artigos publicados, apenas daqueles de que me restaram comprovantes. Outros estão perdidos.

As datas destas postagens mudam de dias da semana, às vezes, por vontades alheias a este cronista. Depois apareceram os colaboradores que assumiram datas: às quartas-feiras o José Kuiava; às quintas-feiras a Mara Emília. Mas a ideia de publicar aqui pequenas passagens de textos se foi perdendo, e com isso uma das razões da denominação do próprio blog…

Hoje retomo a ideia. Isto porque os fatos me levaram à lembrança de uma passagem. Vamos aos fatos: o lançamento do partido do clã bolsonarista, com a inacreditável montagem em plena Câmara dos Deputados, de uma ‘obra’ – que será a principal obra do próprio partido, de modo que ele já se tornou desnecessário – com o nome do novo partido montado com balas, com a escolha do número do partido para lembrar o ’38 calibres da arma mais desejada. Uma monstruosidade.

Sinais dos tempos: enfim a polícia carioca começa a procurar os mandantes do assassinato de Marielle. Busca outro monstro que matou mas não derrubou uma heroína. Para salvar as monstruosidades e perpetuá-las, obviamente apareceu o monstrinho auxiliar, o senhor Sérgio Moro, querendo acabar com as investigações enfiando-as no mais recôndito de sua gaveta. Se monstros e monstrinhos subalternos estão à solta.

E em pleno sábado assistimos estarrecidos a tentativa do governador do Rio de Janeiro de ‘faturar’ em cima do jogador Gabriel, o Gabrigol, ao final da conquista da Taça Libertadores em Lima. Witzel ajoelha-se frente ao jogador, querendo elevá-lo a mito, na esperança de um abraço. O monstro pagou mico. O herói passou ao largo, não se deixando usar pelo criminoso que governa o estado.

Para além destas ‘vitórias’ estrondosas no gramado – duas vitórias, a do time e a do herói diante do monstro – outra vitória vem acalentando sonhos: entrevistas e discursos de Lula, outro herói nacional agora fora das garras da República de Curitiba, mas sujeito a retornar a elas porque longas são as varas do Ministro da Ilegalidade, o monstrinho Sérgio Moro.

Ou seja, estamos convivendo claramente com monstros e heróis em nosso cotidiano. Por isso, compartilho um parágrafo de Joseph Campbell (O herói de mil faces, SP: Cultrix, p. 25 – original de 1949):

A figura do monstro-tirano é familiar às mitologias, tradições folclóricas, lendas e até pesadelos do mundo; e suas características, em todas as manifestações, são essencialmente as mesmas. Ele é o acumulador do benefício geral. É o monstro ávido pelos vorazes direitos do “meu” e “para mim”. A ruína que atrai para si é descrita na mitologia e nos contos de fadas como generalizada, alcançado todo o seu domínio. Esse domínio pode não ir além de sua casa, de sua própria psique torturada ou das vidas que ele destrói com o toque de sua amizade ou assistência, mas também pode atingir toda a sua civilização. O ego inflado do tirano é uma maldição para ele mesmo e para o seu mundo – pouco importa quanto seus negócios pareçam prosperar. Auto-aterrorizado; dominado pelo medo; alerta contra tudo, para enfrentar e combater as agressões do seu ambiente – que são, primariamente, reflexos dos incontroláveis impulsos de aquisição que se encontram em seu próprio íntimo -, o gigante da independência autoconquistada é o mensageiro do desastre do mundo, muito embora, em sua mente, ele possa estar convencido de ser movido por intenções humanas. Onde quer que ponha a mão, há um grito (que, se não se eleva do exterior, vem – mais terrivelmente – de cada coração): um grito em favor do herói redentor, o portador da espada flamejante, cujos golpes, cujo toque e cuja existência libertarão a terra.     

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.