Os encantos dos recantos
As belezas da natureza
Fascinam o sentimento
Os mistérios e os segredos
Do vasto mundo do além firmamento
Purificam os meus segredos
Alegram a vida e o pensamento.
“Já disse que passávamos horas e horas em cima das árvores, e não por motivos utilitários como fazem tantos meninos que sobem nas árvores apenas para apanhar frutas ou ninhos de pássaros, mas pelo prazer de superar difíceis saliências do tronco e forquilhas, e chegar o mais alto possível, e encontrar bons lugares para ficar olhando o mundo lá embaixo e brincando com quem passasse por ali (CALVINO, Ítalo, Os nossos antepassados. Cia. das Letras, p. 125, 2001 ).
Toda vez que vou e fico no sítio é sempre como se fosse a primeira vez. Fico encantado. A natureza me fascina, me seduz, me emociona.
Ainda no caminho, me deparo em diversos pontos, à beira da estrada com quero-queros. Sempre juntos em casais feitos namoradinhos. Às vezes, em bandos, turmas de dezenas, como se estivessem em festas de casamento, assembleias para discutir as invasões destruidoras dos seres humanos. Passo por corujas sentadas em pontas de palanques de cercas, de olhos bem abertos como se fossem vigias. É claro, em baixo na terra há uma cova, onde constroem seus ninhos e criam os filhotes.
Ao chegar no sítio, preciso ter muito cuidado para não atropelar e passar por cima de lagartos comendo pitangas, guavirovas, acerolas, cerejas, jabuticabas, que cobrem o chão debaixo dos pés de árvores, muito cheirosas e gostosas. Os lagartos, de rabos bem compridos, ficam andando, rebolando, calmos, lentamente, sem medo aparente. Ao chegar na sede do sítio, me sinto como se estivesse no paraíso. Nunca estive no paraíso místico, mas me sinto como se estivesse lá.
Os sabiás cantando em melodias, um pouco tristes; os bem-te-vis voando sobre as pontas das árvores algazarram gritando: bem-te-vi, bem-te-vi; os tucanos (pássaros!) muito coloridos e de bicos enormes, gorjeiam ruidosamente; as gralhas azuis, os rabos-de-palha, os pica-paus comendo pitangas, guavirovas, todos muito felizes, sentados nos galhos repletos de frutas. Logo vem dois beija-flores voando de maneira incrível, sem que a gente perceba o vibrar das azinhas, sugando o mel das flores no jardim. As pombinhas ficam chocando os ovinhos no ninho que construíram na aba do alto do telhado da casa. Quando o vento é forte derruba os ninhos e os ovinhos se espatifam na calçada. Coitadinhas das pombas. Os joão-de-barros construíram duas casinhas de barro em dois galhos dos pinheiros – araucárias pertinho de casa. Certa vez, os joão-de-barros construíram a casa com a porta para o lado norte. Veio o vento forte e derrubou. Aí eles construíram a próxima casa com a porta para o lado leste. O vento nunca é forte. Assim, já criaram diversos filhotes. Os quero-queros passam o dia e noite na grama escondendo e vigiando os ninhos e os filhotinhos. Ai dos cachorros, dos gatinhos, dos gaviões que se atreverem chegar perto. Cada vôo rasante assusta até a gente.
Tem uma história dos bem-te-vis muito engraçada. Mas verdadeira. Certo dia, o meu neto de 8 anos estava lá no sítio correndo, subindo e descendo barranco, rolando na grama, trepando num pé de canela bem frondoso e lá pelas tantas gritou:
– Vô quero fazer pipi!
– Sem problemas, vai aí naquele barranco e mija lá de cima. Você vai ver o mijo cair lá em baixo. Não teve dúvida. O neto correu, tirou o pinto e deu aquela mijada ao ar livre. Quando foi guardar o pinto na bermudinha, lá na ponta do pinheiro mais alto alguém cantou:
– Bem-te-vi, bem-te-vi!
– Viu coisa nenhuma, seu mentiroso! Respondeu o neto.
Teve outras histórias muito interessantes dos bichinhos selvagens da natureza, que servem de lições para nós, seres humanos inteligentes.
Certo dia, já no entardecer, uma turma de macacos-prego veio aí no pomar para pegar laranjas. Eram mais de 30 macaquinhos. Vieram em silêncio pulando das árvores da floresta e trepavam nos pés de laranja. Cada um colhia duas laranjas, uma na boca e outra em uma das mãozinhas, pois a outra precisava estar livre para trepar nas árvores de volta na floresta. Mas aí, um amigo, meu vizinho, viu um macaco bem alto na árvore mais alta, pé de louro, olhando lá de cima para detectar algum perigo. Era o vigia, o macho mais forte e valente, escolhido pelo bando. Ele não ia buscar as laranjas. Lá na floresta, depois da colheita, ele ganhava dos demais companheiros e companheiras pela tarefa de vigiar na colheita.
Acontece que esse meu amigo, maldosamente, se escondeu por detrás de um pé de laranja e se aproximou da turma de macacos. Deu um pulo e gritou bem alto para dar um susto na macacada. Aí foi um desespero. Num instante todos os macacos estavam no alto das árvores no mato gritando de medo. Alguns correram atrás do vigia e começaram a bater nas costas e morder nas pernas dele. Foi o castigo por ele não ter dado o grito de alerta do perigo.
Assim, foi mais uma lição que aprendi da vida da natureza. Esta, a vida da natureza não possui limites.
O convívio dos seres animais com os seres vegetais – flora e fauna – é de vivência e sobrevivência recíproca. Uns não vivem e sobrevivem sem os outros. Os macacos, os lagartos, os tucanos e todos os pássaros – menos os corvos, os gaviões – comem frutas, flores, folhas e ao cagarem as sementes, estas no solo acabam germinando e nascendo, garantindo a perpetuação da floresta. Há um dístico popular muito verdadeiro: “o melhor e maior reflorestador da natureza é o bum-bum de passarinho”.
Ao contemplar as árvores, os pássaros, os macacos, os lagartos, os lambaris, fico embugalhado de dúvidas e inquietudes diante das harmonias e desarmonias da natureza e do mundo. Fico pasmo diante de tantos seres humanos destruindo, devastando, queimando, envenenando as condições de vida do planeta terra.
Até quando?
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
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