A presença indecorosa de juízes nos holofotes da imprensa, entre nós, é uma novidade dos anos 2000. Mesmo um Nélson Jobim esperou sair de STF para se tornar militante político. Agora, isso é desnecessário. Permanecem com a toga a julgar a torto e a direito, exercendo ao mesmo tempo militância partidária.
Certamente o melhor exemplo, aquele que em Semântica chamaríamos de “prototípico” é o militante do PSDB e nas horas vagas ministro do STF Gilmar Mentes. Sempre foi suspeito, desde que chegou ao STF pelas mãos do não menos suspeito sociólogo suposto estadista FHC. Antes quem falava do ministro era a “esquerda” supostamente inconformada com suas decisões ao arrepio de outras interpretações da lei. Mas agora ele (deveria escrever Ele?) virou unanimidade nacional! Até a possuída professora Janaína Paschoal, aquela que recebeu a pomba gira e girou, girou a bandeira nacional! Ela mesma. Pois até ela está falando mal de Gilmar Mentes (grafia proposital, só para lembrar).
Obviamente há outros juízes que podem aparecer na lista dos “prototípicos”: o Moro é o candidato maior e que estava por suplantar o ministro. Ele inexistia como jurista e mesmo como juiz até retornar bem informado dos EEUU, prender seu amigo Alberto Youssef e saber através dele do esquema todo da Petrobrás. É público e notório que um doleiro sabe tudo… As pessoas se “confessavam” com ele, e por isso ele pode abrir o jogo para Moro. Nada a ver com a espionagem dos EEUU grampeando telefones e descobrindo segredos industriais (e falcatruas de diretores) de uma das maiores empresas do mundo, e a primeira em tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas. Nada a ver. Tudo lhe foi dito, dito ao juiz dos holofotes: Sérgio Moro se tornou herói nacional. A imprensa o incensou e o elevou aos céus, ao infinito… De repente, eis que aparece um criminoso que queria ser delator e que diz o que não deveria ter sido dito: há cinzas por baixo da Lava Jato e não provêm apenas dos queimados vivos! Veio a público o juiz a dizer que não se pode dar crédito a um criminoso confesso que delata… Ora, ora… é precisamente com base em delações de criminosos que Moro condena a torto e a direito, mas quando são delatados pessoas de bem, ou “não vem ao caso” ou não merecem crédito!!! Até mesmo a reportagem sobre o lançamento do filme sobre a Lava Jato está eivada de ironias… Que está acontecendo, afinal?
O problema é que agora os holofotes já não fazem brilhar. Moro começa a ser ligeiramente criticado (até a publicação da “falsa” delação inexistente surpreende por ocupar páginas dos jornalões!). Já não se fazem mais “dallagnóis” como antigamente. A imprensa deixou de fabricá-los. Que está acontecendo com a imprensa e sua relação com os superiores desígnios da magistratura?
E anotem: com uma frequência nunca vista, aparecem reportagens sobre salários e penduricalhos percebidos por juízes, desembargadores, procuradores et caterva. Tudo mancheteado e denunciado. Consequência da “Lei da Transparência”, uma herança deixada pelos governos petistas, herança que a mesma imprensa faz questão de silenciar? Somente porque agora se tem acesso, a imprensa ficou sabendo dos salários acima do teto nacional do servidor público? Ora, o jornalismo investigativo não existe apenas em blogs da internet. Antes existiu na imprensa “oficializada”. Mas a imprensa sabia e calava. Está falando agora: qual o motivo?
Tudo que desabona juízes e procuradores está chegando às páginas dos jornais. Os encômios, as laudas em louvor, quando não o descarado de puxa-saquismo está cedendo lugar aos podres que rolam nas alturas! Por que a delação não aceita foi para a imprensa? Por que Gilmar Mentes e as suspeições sobre ele se tornaram temas de reportagem da imprensa “oficial”? Que há por trás das manchetes sobre salários de juízes, desembargadores, procuradores?
Como interpretar esta reviravolta na imprensa? Uma resposta superficial poderia ser o fato de que procuradores e juízes estão deixando de dizer “isso não vem ao caso”, e “pessoas de bem”, como Aécio Neves ou Jacob Batista, estão entrando na lista de criminosos. Seria mesmo isso? Um salvar os amigos? Afinal, como ensinou um assessor do tirano imperador da Etiópia, Hailé Selassié I, “que melhor forma de limpar um nome senão sujando daquele que achamos que queria sujar o nosso?” (Kapuscinski, O Imperador, p. 90)
Penso que esta é uma resposta superficial. Para o capital, para a verdadeira elite nacional, pouco se lhe dá que um Aécio Neves vá para a cadeia! Seria apenas para mostrar que “eles” cortam na própria carne! Penso que as razões para tudo vir à tona (e que vem à tona não é nada bom para esta magistratura descarada e aproveitadora, o que não significa toda a magistratura nacional, mas esta em particular) devem envolver interesses econômicos mais profundos. Envolvem? Quem sabe a resposta? Eu não sei.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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