Seria dramática se não fosse cômica a encenação grotesca da invenção, fabricação, modelagem e auto lançamento dos candidatos a presidente do Palácio do Planalto de 2018.
O jogo de cena no palco da política do Brasil de hoje é composto de atores e linguagens incomuns, invulgares, de personagens vestidos de colarinho branco, de capas e togas. Um teatro de cenas e atores espetacularizados em sessões contínuas diuturnamente pela mídia hegemônica. Na realidade é o teatro que se transforma em arena de gladiadores em confronto: no lado direito e superior postam-se políticos de colarinho branco, ministros e juízes do Supremo, rentistas, empresários do grande capital, intelectuais orgânicos das elites e a grande, poderosa e hegemônica mídia; no lado esquerdo da arena e abaixo postam-se em luta os gladiadores e lutadores perseverantes das massas populares, com baixo e fraco poder bélico na correlação de forças com os gladiadores da direita.
Além da imagem, o jogo está também na linguagem: os “ficha limpa” e os “ficha suja”. A linguagem é intencionalmente ambígua e ambivalente. Não há exatidão com um único sentido e uma única, verdadeira e justa interpretação das leis e das palavras. Ela muda de sentido conforme do “que” e de “quem” se trata. Aí vem as dúvidas, talvez ingênuas e infantis. Ficha limpa seria o mesmo que vida limpa e ficha suja seria o mesmo que vida suja? Ou, vida suja seria o mesmo que ficha suja de alguns? Ou, ficha suja seria o mesmo que vida limpa de outros? Por acaso, há sujos de ficha limpa? E há limpos de ficha suja? Assim, não seria o mesmo que perguntar: há corruptos e ladrões dos bens de todos, judicialmente perdoados e absolvidos? Há acusados de crimes sem provas, condenados? Ou tudo isso não seria um ingênuo jogo de palavras? Uma brincadeira de quem não tem o que fazer de melhor na vida? Realmente, quem tem o poder, o hábito e a prática de limpar fichas de políticos sujos? Seriam os próprios políticos em conluio com ministros do Supremo, juízes, promotores, desembargadores e a mídia, os poderosos que limpam a ficha dos políticos de vida suja? O fato é que a vida material existencial, as atitudes, os atos dos políticos são muito mais reais, perversos do que as palavras em composição de linguagens.
Neste cenário, os políticos indecorosos proclamam e declamam em tom de poesia: fomos nós que inventamos e aprovamos a “lei da ficha limpa”, ela é a nossa criação para nos defender, proteger, esconder, limpar a nossa sujeira, enganar os incautos. Nós somos os inteligentes, sabemos nos proteger, bobos são os que acreditam em nós, bem feito para todos, continuem votando em nós, assim nós vamos continuar a nos proteger, cada vez mais sujos de ficha limpa, vamos continuar absolvendo e livrando os sujos de colarinho branco e vamos continuar condenando os limpos de roupa mal lavada.
Afinal, como reconhecer uns e outros? Ou seja, como reconhecer os de vida suja com ficha limpa e os de vida limpa com ficha suja? Nas ruas, nas escolas, nas igrejas, nos sindicatos, no trabalho, nos botequins da esquina, nas empresas, nos partidos políticos, nas festas populares, nos estádios de futebol, poderíamos dizer e gritar: “olha lá o ficha limpa”! “Olha lá o ficha suja”! Assim seria simples e fácil distinguir e separar uns dos outros. Seria também fácil de votar. O “desalento” mais penoso é encarar Temer “ficha limpa”, Maia “ficha limpa”, Meirelles “ficha limpa”, Alckmin “ficha limpa”, Aécio “ficha limpa” e tantos outros sujos sem fim, todos “ficha limpa”. Lula “ficha suja”.
José Kuiava escreve neste Blog às quartas-feiras
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
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