Certo dia fui ao meu médico, um clínico geral (in memoriam), de renome e celebridade na região, levar a fotografia da minha coluna óssea. O Doutor, muito calmo e dócil, olhou e examinou serenamente com rigorosa atenção e detalhamento de alto a baixo a imagem da minha coluna, revelada na radiografia – linguagem médica. Silencioso, muito concentrado, fez uma pequena pausa. O silêncio do Doutor me deixou apreensivo. Voltou a examinar minha coluna no Raio X vértebra por vértebra, junta por junta. Aí, com sorriso alegre, meio brincalhão, em leve tom de gozação, com o dedo indicador na radiografia, falou:
– Mestre, aqui no alto da coluna, o mestre tem bico-de-periquito; aqui no meio, o mestre tem bico-de-papagaio; e aqui em baixo, o mestre tem bico-de-tucano.
– Nossa, Doutor! Quanto bico! Mas bico-de-tucano do bicho pássaro e não do bicho homem tucano, né Doutor?
– Sim, sim, bico do bicho pássaro. – Respondeu o Doutor, seguro e mais ridente do que antes. Com certeza, o Doutor falou isso sem humilhar e ofender os lindos e coloridos pássaros.
– Ainda bem, Doutor! O Doutor já imaginou se eu estivesse infestado e tomado por bicos-de-tucano do bicho homem? Bicos dos tucanos homens políticos do Brasil, certamente estaria ferrado muito mais do que já estou. Estaria com a coluna óssea paralisada para sempre. Sem cura.
O Doutor, assim, sempre muito divertido e respeitoso, popularizou a linguagem medicinal – hérnia de disco lombar estrangulada virou, na linguagem analógica, bico-de-periquito, bico-de-papagaio e bico-de-tucano. Esta analogia aplicada aos animais humanos inverte ao contrário o seu sentido. Um zoológico de animais – pássaros, periquitos, papagaios, tucanos e outros da bela natureza – é maravilhoso. Já um Brasil inteiro com um planalto habitado e dominado por animais humanos do PSDB – com símbolo e signo de tucano pássaro – políticos, governadores, deputados, senadores, juízes, ministros, desembargadores, empresários do grande capital nacional e estrangeiro, donos atrozes da mídia … é uma barbárie humana e uma catástrofe ecológica.
Este episódio dos bicos de tucanos me faz lembrar um outro fato recente. Um belo dia, uma manhã de sol radiante, eu estava cultivando flores no jardim do sítio e de repente escutei uma gritaria de pássaros, um piar desesperador de briga na copa dos pinheiros ao lado da casa. Fui correndo ver de perto a cena, vi dezenas de gralhas-azuis em alvoroço, pulando e voando em desespero, em pé de briga, protegendo os enormes ninhos no alto dos pinheiros. Aí, vejo dois tucanos com seus bicos enormes destruindo os ninhos e engolindo os ovos das gralhas. Pior, um tucano saiu voando com um filhote no bico e foi para a floresta ao lado e no alto da árvore engoliu inteirinho o pobre e indefeso filhote de gralha-azul.
Impulsionado pelo instinto de defesa dos mais fracos, senti vontade de afugentar os tucanos com pedradas. Mas, recorri ao meu cérebro, pensei bem e me convenci de que se tratava de uma cena da vida natural dos animais, quer dizer, da sobrevivência e reprodução de uns animais capturando e comendo outros. Ou melhor ainda, uns animais mais fortes precisam comer os mais fracos – é a primeira e velha lei da natureza – se os tucanos, os gaviões, as águias, os leões, os lobos e a infinidade de outros animais carnívoros não comerem outros animais mais fracos que eles, não viverão e não se reproduzirão. Igual aos animais totalmente carnívoros, os seres humanos, não naturalmente e totalmente carnívoros, quantos animais já mataram e continuam matando por meio da caça predatória – veados, lebres, pássaros, peixes dos rios e dos mares, sem fim e sem limites – e animais domésticos criados em confinamentos – bois, frangos, porcos… – são mortos aos milhões por dia nos frigoríficos e nas próprias residências.
Até aí, tudo bem. Agora, o estranho e terrível é o fato dos seres humanos adotarem e aplicarem a lei da natureza ao seu modo de produção material e de reprodução biológica às suas leis sociais que inventam e impõe para domínio de alguns poucos. Em referência específica aos políticos tucanos, a analogia dos tucanos pássaros faz sentido pela escolha do símbolo, o signo – matiz ideológica – do partido PSDB, o bico do pássaro tucano – exageradamente grande. Eles, os políticos tucanos, não distinguem as leis naturais das leis sociais.
Os políticos tucanos quando no poder do Estado Brasileiro – governos na escala nacional e escala estadual – foram e continuam sendo impiedosos na depredação do patrimônio público – bem de todos. Privatizaram e continuam privatizando, sem piedade e sem limites (doando, ao bem da verdade), o nosso petróleo – Petrobras, o nosso minério – Companhia Nacional, a nossa energia elétrica – Eletrobrás, as Companhias de Telecomunicações, as reservas florestais, os bancos estaduais, os pedágios e agora privatizando a educação pública, as universidades federais e estaduais, a saúde pública. E nesse movimento bárbaro e voraz de privatizar os bens naturais, o patrimônio público constituído pelo Estado com altíssimos custos e os serviços públicos que geram lucros, eles isentam as empresas e os acionistas nacionais e estrangeiros de todos os impostos. Se os grandes capitalistas pagassem os impostos que nós pagamos de acordo com as leis vigentes, o Brasil seria totalmente outro.
Aí, como tucano não come tucano, os políticos tucanos ladrões, corruptos e corruptores não vão pra cadeia. Até quando?
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
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