Obscenidades

-Broxa!

Começo o texto usando a palavra que não se quer ouvir: broxante.

Devo desculpas pelos modos, maus modos, aos leitores que sempre carinhosamente (ou não) recebem meus textos nesse blog. Explico-me, porque pedir desculpas sem explicar é pouco. E ainda, antes afianço ao termo o significado de impotência, escreverei sobre a ABL, e sobre alguns sentimentos de impotência que permeiam nossas vidas, aos que chegarem ao fim do texto podem esperar um episódio quente, não necessariamente, sobre o termo.

Conceição Evaristo levou apenas um voto dos imortais, muito menos que as previsões ruins apontavam, mas diriam alguns que suas desfeitas em não participar das solenidades que eram precursoras da votação, e que indicariam a disposição da autora em participar dos chás da tarde com os pares, teriam sido determinantes: Afinal, ela não teria os modos necessários. E a cor, a cor não! A cor daria até uma robustez e alegria ao ambiente.

Pena a votação ser secreta, não fosse teríamos discursos impolutos e incompreensíveis, aos modos de outra casa, habitada por seres acovardados, diriam uns. Ou poderíamos ter discursos pela família, pela moral, os bons costumes, os sólidos valores que precisam ser preservados. – Não acreditam? Eu sim.

A verdade é que se não fosse assim, teriam pipocado rechaçamentos e desabono a referida votação da Academia Brasileira de Letras. Não houve.  Apenas alguns gatos pingados falaram em seus guetos e terreiros, e passivamente aceitamos que Conceição é maior, é literatura viva que os imortais não merecem conviver.

Permitam-me uma digressão, rapidinha? Pois bem, dizem que a principal arma fascista era a esterilização de um povo, evitando assim que sequer nascessem pessoas que eles odiavam: eugenia ariana. Esse episódio triste da nossa história, digo da humanidade, aponta práticas que não podem ser esquecidas, para que não se cometam esses horrores novamente. E em tempos de parcos e poucos investimentos em museus, que ocasionam em incêndio e perdas irreparáveis (check, Crivella?), penso que o apagamento cultural é uma força das maiores que as ideologias podem lançar mão.

Perdemos muito no incêndio do Museu Nacional. Assim como temos perdido a democracia. E eu preciso dizer, para nós – descendentes do povo africano, a perda é irreparável, tão irreparável quanto ouvir pessoas que, pelo apagamento de nossas culturas, condenam à marginalidade, senão à morte, as formas de profissão de fé, a literatura, a vida, os sentimentos, a dança, a música, as características físicas, e qualquer que seja a produção oriunda de nossas histórias e mãos. Substituem tudo: cultura, história, reparação, representação por uma explicação como a do chá da tarde: ela não queria de verdade. Ainda ouço pessoas falando que era preciso fazer o expurgo do mal, afinal esse povo amaldiçoado, precisava passar por um processo de imolação.

– Não é nossa culpa!

É estranho como meu cérebro estabelece relações entre broxante e a esterilização das pessoas. Seria a idiotização da política a causadora desse mal? Possivelmente. Sei que as duas coisas tem muito pouco em comum. E sobre esse pouco que quero falar.

A sequência de fatos que tem nos acometido: condução coercitiva de um ex-presidente sem nenhuma necessidade, impeachment de uma presidente eleita, vazamentos de áudio anunciando acordo entre os setores que constituem o poder nacional, aprovação de reforma trabalhista que flerta com nova escravidão, entrega de soberania nacional, venda do pré-sal e das petroleiras, assassinato da Marielle Franco, prisão sem provas de um ex-presidente que conta com o apoio popular para ser reconduzido ao posto de presidente, negação de habeas corpus, decisão liminar da ONU garantindo o direito de Lula disputar as eleições e a negativa do STF, e várias outras arbitrariedades.

Relembrar esses fatos, e ver que vários outros que são consequência direta ou indireta destes, como o caso do museu ou da não eleição de Conceição Evaristo, dizem muito sobre uma prática de puxar a corda, até ver quando ela arrebenta, e se arrebenta. Na verdade, a passividade das pessoas, em especial dos mais pobres e lesados por essas práticas, não estão organizadas, não é natural olhar e dizer: – as pessoas vão continuar aceitando, podemos ir mais fundo – e aumenta-se a gradação das maldades e dos infortúnios.

O amor é mesmo um ato revolucionário, aí é que entra a coisa do Lula.

Não é preciso esterilizar as pessoas, para que elas não procriem, e assim sejam extintas, ofertar-lhe uma vida miserável até que elas não queiram mais viver, apenas sobrevivam é possível, mas não se tem o controle preciso do que ocorrerá.

O amor é um ato revolucionário de verdade. Sempre que as pessoas querem justificar barbáries apelam para motivações que nos tiram da razão, exemplo?  – Se seu filho ou filha fosse violentado você mataria fulano? Enfim, produziu em você uma resposta imediata proporcional à pressuposição da violência: – Eu mataria! Por esse motivo, quando as violências vão acontecendo moderadamente vamos sentindo a sensação de impotência, que nos imobiliza até que o limite seja atingido.

Cumprindo as promessas, vou falar de um episódio quente e revelador da nossa história, ele cabe todo em uma frase que poderia ter saído da boca de todo um staff elitista, rico, heteronormativo, pseudo-intelectual e falso moralista, conservador:

– Você provoca em mim os sentimentos mais primitivos

E os limites? Eu não sei. Mas sinto que os ânimos estão aquecendo, e não é bom que se interrompam preliminares, se é que vocês entendem: o limite é o amor, e a resposta é o contrário do medo, da apatia, da tristeza. O Brasil espera ser feliz de novo.

Professora, militante, escritora
Mara Emília Gomes Gonçalves é formada em Letras pela Universidade Federal de Goiás. Gestora escolar, professora, militante, feminista, negra. Excelente leitora, escritora irregular. Acompanhe-a também em seu blog: LEITURAS POSSÍVEIS.

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