OBAMA E COMPLEXO AÉCIO NEVES

Penso que os norte-americanos não estavam acostumados a esta nova doença mental que bem mereceria o nome de “Complexo Aécio Neves” na nova versão do DSM. Trata-se de uma doença específica que ataca políticos que tenham perdido eleições gerais. Os sintomas são de distinta ordem, mas podem ser agrupados para o trabalho terapêutico em

  1. Tentativas de efetuar golpe no tapetão para afastar o adversário vencedor
  2. Atribuição da derrota a forças externas

A partir de novembro de 2014, nós brasileiros conhecemos o primeiro tipo de sintoma que se desvelou em diferentes ações e reações, deste o pedido de cassação da chapa vencedora das eleições até a articulação com o vice-presidente eleito para derrubar a presidente. O afetado pelo “complexo Aécio Neves” não assume o poder, mas tem a alegria de ver o oponente perder o poder. No nosso caso brasileiro, uma presidente afastada sem crime de responsabilidade para ser substituída por um eternamente denunciado, mas jamais tornado réu por uma justiça que se notabilizou pela adesão aos movimentos do afetado pela doença.

Pois o fim de ano nos desvelou o segundo tipo de sintoma. Hillary Clinton, a candidata dos democratas e da indústria armamentista perde as eleições para um aventureiro que não conseguia sequer união dentro do partido pelo qual se candidatou. Para desespero dos republicanos de alto coturno. Donald Trump se elege e com sua eleição afasta os riscos mais imediatos de uma guerra com a Rússia, provocada pela intervenção norte-americana que colocou um títere no poder na Ucrânia. As escaramuças deveriam conduzir a uma guerra mais demorada, não fosse a diplomacia alemã de Ângela Merkel que sabe: numa guerra na Europa, a Alemanha sempre sai perdendo.

As intenções belicistas dos democratas – que iniciaram a guerra do Camboja e do Vietnã, que patrocinaram a invasão fracassada da Baía dos Porcos em Cuba, entre outros feitos – foi por água abaixo. A guerra se limitou ao território ucraniano.

Mas Hillary Clinton, a ex-chefe do Departamento de Estado, perde as eleições. A quem um afetado pelo “Complexo de Aécio Neves” atribui a derrota? À Rússia. E diz mais: a Rússia interferiu nos resultados das eleições norte-americanas. Ou seja, os russos mandaram os norte-americanos votarem em Donald Trump… A simpatia de Putin por Trump era sua antipatia à belicosa Hillary Clinton que apostava numa guerra para recuperar a economia!

É verdade que russos enviaram mensagens de apoio a Donald Trump através do Face. Mas daí a dizer que a população norte-americana se deixa influenciar por mensagens de russos em suas páginas sociais é um exagero sem tamanho. Mas serve de justificativa para um afetado pela doença justificar sua derrota.

Diagnosticado o sintoma, treme-se com as ações que um doente assim afetado pratica. Eis que expulsa 35 diplomatas russos do país, dando-lhes 72 horas para saírem do território norte-americano. Pela lei da reciprocidade, a Rússia faz o mesmo hoje, 30.12.2016. Há precedente histórico de expulsão de diplomatas entre os dois países. Numa ocasião, os EEUU expulsaram os altos escalões da diplomacia russa na América do Norte; os russos em resposta não expulsaram diplomatas do mesmo nível de hierarquia, foram muito mais inteligentes: mandaram para casa agentes da CIA que estavam na Rússia como adidos, com passaporte diplomático. Porque afinal a espionagem norte-americana é uma constante na história desde antes da Segunda Guerra Mundial.

A expulsão, desta vez, foi justificada em crimes cibernéticos, nos quais os EEUU são especialistas. E com isso se criou mais uma vez uma instabilidade política, mas que não chegará às vias de fato, isto é, a desejada guerra na Europa para benefício da economia norte-americana. Até porque dentro de 20 dias Trump assume o governo e nosso afetado Obama terá que se haver com seu “Complexo de Aécio Neves” fora do poder, perambulando pelos cômodos de seu retiro particular: nele terá tempo para olhar para o Diploma recebido de Nobel da Paz. E terá tempo para refletir que não merecia o prêmio, dada sua atuação catastrófica na guerra do Oriente Médio, para a qual não só aumentou o contigente militar como passou a usar empresas de segurança privadas para realizarem ações criminosas utilizando seus drones e matando civis à vontade da Somália ao Afeganistão (mesmo em território amigo, como o da Arábia Saudita). Também poderá lembrar de suas reuniões nos porões da Casa Branca quando, com seu estado maior, atualizava semanalmente a lista dos alvos a serem eliminados. Para entrar na lista, bastava às vezes ser muçulmano e em idade de serviço militar.

Esta é a herança que nos deixa Obama, agora afetado por uma doença de cura difícil. Uma doença duradoura, como se pode ver no afetado brasileiro que, pela exemplaridade, fornece o nome ao “Complexo de Aécio Neves”.  

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.