O uso como lugar de construção dos recursos linguísticos

Desta vez, em lugar do texto, um pedido. Não disponho mais dos originais deste texto! Nem o exemplar da revista em que foi publicado: Espaço Informativo Técnico Científico do INES, 8, Rio de Janeiro, MEC/Instituto Nacional de Educação de Surdos, 1997:49-54.

Assim, publico o título e a indicação com um pedido: se alguém conhecer o texto, se tiver à mão a revisa e puder me enviar, ficarei grato. A republicação de meus textos aqui, como “textos de arquivo” teria a função de juntar a todos os textos publicados como capítulos de livro, como artigos em revistas ou em anais de eventos. Foram poucos os textos que publiquei em Anais… e agora, neste olhar retrospectivo, fico-me perguntando a razão!

Nesta espécie de “arqueologia” que venho fazendo nas notas dos textos que aparecem aqui como uma espécie de “coluna fixa” do blog, o que lembro sobre este O uso como lugar de construção dos recursos linguísticos, tem a ver com duas questões que colocava para o pessoal de LIBRAS.

  1. Se LIBRAS realmente poderia se tornar a língua materna, a primeira língua de filhos surdos de pais ouvintes. Na época, achava que os pais, antes mesmo de descobrirem a surdez do filho, já se comunicavam com ele. E que quando descobriam a surdez, um pouco mais tarde, começavam a construir com o filho uma linguagem de gestos: marcados pelas circunstâncias, variando de família a família. Se posteriormente os pais aprendiam LIBRAS e passavam a se comunicar com o filho em “Língua Brasileira de Sinais”, imaginava que esta já seria uma segunda língua, aprendida. E que muitas das dificuldades de seu uso em tais famílias tinha a ver com este “idioleto” próprio que haviam criado através do uso.
  2. Eu tinha uma curiosidade muito grande: como a linguagem de sinais marcava a dêixis – pessoa, lugar, tempo. Como nas línguas naturais conhecidas, estas marcas que remetem diretamente ao entorno, ao contexto (embora formalmente a semântica resolva isso através de diacríticos de “entradas”, o que é uma solução formal mas não prática), e o preenchimento das referências variam segundo quem diz, quando diz e em que lugar diz (a situação de enunciação sendo tomada como ponto de partida da construção dos sentidos), eu queria saber como isto era marcado por gestos. Lembro que na época me explicaram que tudo isso está presente na linguagem de sinais e que a dêixis não oferece qualquer problema para o sistema da língua.

Quanto à primeira questão, penso hoje que é uma posição que pode ser radicalizada: a língua materna seria aquela que aprendemos desde o berço e com a qual o bebê se comunica com a mãe ou com os adultos próximos, cujos recursos expressivos são as tonalidades e intensidades dos choros; os olhares (que mostram, por exemplo que a criança reconheceu ou não quem está perto; ou que mostram sua ‘aceitação’ para que o adulto se aproxime); os sorrisos… enfim esta gama de recursos que se expressam também vocalmente e que variam muitíssimo de relação à relação entre adulto(mãe)/criança. Talvez a verdadeira língua mãe seja precisamente esta que perdemos à medida em que vamos aprendendo o que temos chamado de “língua materna”, aquela do nosso entorno com que muito cedo começamos a substituir os balbucios da verdadeira língua mãe! Talvez no final da vida, é a essa língua que efetivamente retornamos…

Quanto à segunda questão, certamente uma língua de sinais não seria uma língua se não dispusesse de fórmulas para indicar o tempo, a pessoa, e o lugar. De modo que minha dúvida de então era mesmo a dúvida do desconhecimento.

O artigo que perdi, não sei, talvez trate disso. Ou talvez eu não tenha tido coragem de colocar no papel o que pensava em relação à língua materna efetiva de todos nós: aquelas que perdemos.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.